[Livro O Chefe] Capítulo 11 – O Presidente do Senado, Aliado de Lula. Outro Caso de Corrupção
Em março de 2010 , Ivo Patarra ,publicou o livro ” O CHEFE ” . O livro conta uma detalhada história da CORRUPÇÃO durante o governo Lula , especificamente dos 13 meses do ESCÂNDALO DO MENSALÃO .
Ivo Patarra ( São Paulo ,8 de fevereiro de 1958 ) é jornalista e escritor . Ex- militante do Partido dos Trabalhadores, ele foi assessor de comunicação social da prefeitura de São Paulo na gestão de Luiza Erundina ( 1989-1992). Trabalhou na Folha de São Paulo, Folha da Tarde, Diário Popular e Jornal da Tarde.
Queremos com essa publicação aproximar o cidadão trabalhador da leitura investigativa e das DENUNCIAS envolvendo o atual governo . Muitos não conhecem esse livro e isso me lembra uma tirada de Carlos Lacerdaque denunciava a CORRUPÇÃO discursando em cima de um caminhão ( caminhão do povo ) ;
“SE O POVO NÃO SABIA , AGORA ELES SABEM.”
Agradecemos ao jornalista e escritor Ivo Patarra , por ter coragem de denunciar essa ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA que chamamos de PTRALHAS .
Obs: As fotos e os vídeos publicados nas postagens não fazem parte do livro.
José Renan Vasconcelos Calheiros teve vida modesta até virar político. Filho de pequeno produtor rural, cresceu em Murici (AL), cidade pobre do Nordeste. Vendeu sandálias feitas com pneus velhos para dispor de algum dinheiro. Quando entrou para a política, em 1978, tinha um fusca. Mais nada. Renan Calheiros ficou milionário.
Em 25 de maio de 2007, um dia antes de a revista Veja chegar às bancas de jornal, havia rumores sobre uma denúncia contra o poderoso presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Em Brasília, o presidente da República tratou de defender o aliado:
– Não vi nenhuma matéria ainda, conversei com o Renan ontem e anteontem. O Renan está tranquilo.
Lula acrescentou, para não deixar dúvidas sobre a sua posição:
– Essas coisas têm de ter um processo, uma investigação, a chance daqueles que são acusados prestarem suas explicações.
A reportagem descreveu que Renan Calheiros usou os “serviços” de um funcionário da empreiteira Mendes Júnior, uma das maiores do País, para dar dinheiro vivo à mãe da filha que ele teve fora do casamento. O problema é que os R$ 12 mil mensais, entregues sempre em cash, dentro de envelopes, nas dependências do escritório da Mendes Júnior em Brasília, correspondiam praticamente à totalidade do salário do senador. A suspeita, lógica: o dinheiro não era dele, mas um mimo da empreiteira. Reforçava a suspeita o fato de Renan Calheiros não ter declarado os valores no Imposto de Renda.
Publicado o escândalo, Lula telefonou a Renan Calheiros para manifestar o seu apoio. A assessoria do presidente, solícita, divulgou o teor da fala de Lula:
– Renan, sou solidário a você. Estou muito solidário e tenho certeza de que você vai explicar as acusações.
Os pagamentos à jornalista Mônica Veloso, mãe da pequena Maria Catharina, eram feitos por Cláudio Gontijo, assessor da Diretoria de Desenvolvimento de Tecnologia da Mendes Júnior. Nos encontros regulares entre Renan e a jornalista, revelaria ela depois, não se falava em dinheiro. Muito menos de sua origem. Conveniente. Mas as somas chegaram em espécie às mãos de Mônica Veloso, de março de 2004 a novembro de 2005, dentro dos tais envelopes. Isso durou até Renan reconhecer a paternidade.
Cláudio Gontijo foi fiador do apartamento duplex alugado à jornalista em área nobre de Brasília, e providenciou seguranças para a mãe e a filha do senador. O representante da empreiteira teria colocado à disposição de Renan um flat no hotel Blue Tree de Brasília, para encontros reservados.
O mesmo Cláudio Gontijo também teria arrumado dinheiro para a campanha eleitoral de Renan Calheiros Filho(PMDB), o “Renanzinho”, eleito prefeito de Murici (AL) em 2004, e para um amigo, o médico José Wanderley Neto, eleito vice-governador de Alagoas, na chapa encabeçada por Teotônio Vilela Filho (PSDB-AL), outro amigo de Renan. O prestativo funcionário da Mendes Júnior confirmou a entrega de dinheiro à jornalista, mas negou que fosse da empreiteira para a qual trabalhava. Nas palavras dele:
– Só posso dizer que não era meu.
Lula voltou a se manifestar. Usou o programa de rádio “Café com o Presidente” para reiterar o apoio a Renan Calheiros. Citou a revista Veja:
– A reportagem o colocou sob suspeita. Isso não quer dizer que o senador Renan seja culpado. Até prova em contrário, ele é inocente.
Em discurso no Senado, Renan pediu desculpas à mulher, Maria Verônica Calheiros, e informou que repassou dinheiro deduzido de seus subsídios de senador a Mônica Veloso. Deu cheques após o reconhecimento da paternidade. Afirmou ter constituído um fundo de R$ 100 mil, de suas próprias reservas, para as despesas com a educação da criança. E explicou que a escolha de Cláudio Gontijo como interlocutor entre as partes se deu porque era seu amigo e também amigo da jornalista.
O líder do governo Lula na Câmara dos Deputados, José Múcio (PTB-PE), assistiu ao depoimento de Renan. Foi ao Senado prestigiar o aliado do chefe. A líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC), elogiou a agilidade e a eficiência das explicações de Renan. Da senadora:
– Acho que temos uma situação de estabilidade no Senado.
Do líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), após ouvir o discurso de Renan:
– Na minha visão, assunto encerrado. Os fatos foram explicados à exaustão.
Por meio do advogado Pedro Calmon, porém, Mônica Veloso contestou: os R$ 12 mil referentes à pensão e ao aluguel do apartamento foram entregues, sempre em dinheiro vivo, por Cláudio Gontijo. Mas ele não era amigo da jornalista. Tratava-se de alguém do círculo de relações de Renan Calheiros, apresentado a ela para efetuar os pagamentos. Mônica Veloso desmentiu o fundo de R$ 100 mil para a educação da menina. As duas remessas de R$ 50 mil cada uma, também em dinheiro vivo, foram entregues em sacolas pretas de náilon no escritório do advogado do senador, Eduardo Ferrão, em Brasília. Quem as recebeu foi Pedro Calmon, advogado de Mônica Veloso. O dinheiro serviu para pagar os R$ 9 mil mensais que Renan Calheiros concordou em dar “por fora” à jornalista em 2006, após o reconhecimento da paternidade, além dos R$ 3 mil oficiais da pensão alimentícia, esta estipulada a partir de dezembro de 2005 em valor compatível à renda líquida do senador. Renan não havia cumprido o combinado e acabou quitando os atrasados com o dinheiro vivo acomodado nas sacolas pretas de náilon.
Baixada a poeira, a líder do PT no Senado voltou a se manifestar. Disse que se os documentos apresentados por Renan não se mostrassem suficientes, ele poderia apresentar novas provas e dar novas explicações. De Ideli Salvatti:
– A bancada se reuniu e tivemos o entendimento de que o senador Renan Calheiros merece de todos nós uma presunção de inocência.
O problema é que Renan não dispunha de comprovantes atestando que os pagamentos feitos a Mônica Veloso tinham origem em recursos próprios. Isso no período anterior ao reconhecimento da paternidade. Não havia provas de que a fonte do dinheiro era lícita e não os “presentes” da Mendes Júnior, repassados por Cláudio Gontijo. O senador tampouco explicou a denúncia de que o funcionário da empreiteira deixara à sua disposição o flat no Blue Tree.
Agora, o grave: obras da Mendes Júnior no valor de R$ 46 milhões, no porto de Maceió, receberam emendas de Renan Calheiros na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), no mesmo período em que Cláudio Gontijo efetuava os repasses mensais a Mônica. Renan solicitou três vezes aumentos para as metas anuais de construção do cais da capital de Alagoas. Numa emenda apresentada em 2005, solicitou acréscimos de 50%, equivalentes a R$ 8 milhões. No total, as emendas do presidente do Senado alcançaram R$ 13,2 milhões. Por meio da assessoria, Renan informou não se lembrar de todas as emendas encaminhadas à LDO. Não fez qualquer outro comentário.
O senador Sibá Machado (PT-AC), presidente do Conselho de Ética do Senado, concedeu entrevista em 30 de maio de 2007. Um processo seria aberto para investigar Renan Calheiros. Indagado sobre a perda de autoridade do presidente do Senado, Sibá Machado respondeu:
– Acho que não, a Casa inteira o respeita muito. Não tem nada confirmado, então não pode haver prejulgamento.
A fim de justificar condições para pagar Mônica Veloso, Renan informou ganho de R$ 1,9 milhão em quatro anos, principalmente com a venda de gado. Isso explicaria depósitos regulares em suas contas bancárias, em valores de R$ 10 mil a R$ 50 mil, e daria consistência às despesas com o aluguel adiantado de um ano do apartamento da jornalista em Brasília, um acerto de R$ 43.200 feito por Cláudio Gontijo. O problema: indicar, efetivamente, que boa parte do dinheiro em suas mãos era oriunda de transações agropecuárias.
Cabe assinalar que na declaração de bens apresentada por Renan Calheiros à Justiça Eleitoral em 2002, ano da primeira eleição de Lula, não constavam fazendas de gado em nome do senador. Naquele ano, conforme levantamento da revista Veja, o senador Renan Calheiros, reeleito em Alagoas, dispunha de R$ 1,6 milhão referente a uma casa e a um flat em Brasília, um apartamento em Maceió e duas caminhonetes de luxo.
Em 2006, último ano do primeiro mandato de Lula, Renan elevara seu patrimônio para R$ 9,8 milhões, mais de seis vezes o de 2002, a saber: três fazendas em Alagoas, apesar de apenas uma estar registrada em seu nome, 1.742 cabeças de gado, mansão na badalada praia de Barra de São Miguel (AL), apartamento em Maceió e cinco caminhonetes de luxo. Da relação não constavam outras duas fazendas, que teriam sido arrendadas do irmão e deputado Olavo Calheiros (PMDB-AL), nem a Correio Gráfica, Editora e Produtora, empresa que pertenceria ao grupo ligado a Renan Calheiros.
Depois de dois dias de “investigações”, sem ouvir testemunhas, o relator do processo contra Renan Calheiros no Conselho de Ética do Senado, Epitácio Cafeteira (PTB-MA), solicitou o arquivamento do caso. Era 13 de junho de 2007. Alegou “absoluta ausência de provas ou indícios” de quebra de decoro parlamentar. A líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC), concordou com o rito sumário e acusou jornalistas de condutas caluniosas:
– A imprensa não está imune. Acima de tudo, quem acusa tem o ônus de apresentar provas. E isso inclui a imprensa.
Renan Calheiros deu o caso como encerrado.
Dia seguinte ao das declarações de Ideli Salvatti, o Jornal Nacional, da Rede Globo, exibiu reportagem com os “compradores” de gado do presidente do Senado, na periferia de Maceió. Entrou osso na defesa de Renan. ACarnal Carnes de Alagoas estava inativa, apesar de o senador ter afirmado que vendeu R$ 127 mil para o pequeno açougue. O dono do humilde estabelecimento, João Teixeira dos Santos, negou a versão. Outra “empresa”, a GF da Silva Costa, fora apontada por Renan como compradora de R$ 164 mil de suas carnes. O que deveria ser a sede do estabelecimento era uma pobre casa particular. Não havia um bife por lá.
O contador da GF, Roberto Gomes de Souza, admitiu também cuidar da contabilidade da Carnal Carnes. Disse não se lembrar de negócios com o senador. A tal GF, da mesma forma, estava desativada. Era uma “fábrica de notas fiscais”, se descobriria depois, tendo emitido R$ 1,8 milhão em notas falsas, apenas em fevereiro de 2005. Maior cliente de Renan Calheiros, conforme a defesa do senador, a MW Ricardo da Rocha teria adquirido R$ 429 mil em carnes. A “empresa” era na verdade o pequeno açougue São Jorge, cujo faturamento anual não passava de R$ 23 mil.
A defesa de Renan também apresentou dois cheques, no total de R$ 126 mil, atribuídos a Marcelo Nunes Amorim. Ele era motorista e morador de um bairro popular de Maceió, em rua com esgoto a céu aberto. Os cheques justificariam a compra de mais de 30 mil quilos de carne. Marcelo Nunes Amorim teria assinado os cheques para atender um pedido do cunhado, dono de outro pequeno açougue, pois ele não disporia nem de cheques para forjar a aquisição da carne do senador.
Com a revelação de que empresas de fachada, em nome de “laranjas”, todas elencadas por Renan, serviam para lavar dinheiro, fazer operações fraudulentas e sonegar impostos, ficou frustrada a manobra para encerrar as investigações. O senador Epitácio Cafeteira abandonaria a relatoria do caso. Mesmo assim, o líder do governo Lula no Senado, Romero Jucá, defendeu uma limitação às apurações. Queria apenas a identificação da procedência dos documentos apresentados por Renan, sem diligências a Alagoas nem convocações para depoimentos de supostos compradores de carne. Bancou a versão de Renan. De Romero Jucá:
– Estou de posse de documentos que efetivamente comprovam a comercialização, a posse e o recebimento pelo presidente Renan dos valores declarados no Imposto de Renda.
Mais problemas para Renan: perícia do INC (Instituto Nacional de Criminalística, da Polícia Federal) registrou ausência de coincidência nas informações sobre parte do gado supostamente vendida pelo senador, cuja movimentação deveria estar atestada em GTAs (Guias de Trânsito Animal), em conformidade com notas fiscais de venda. A investigação não concluiu que as notas fiscais eram autênticas e, portanto, as transações comerciais descritas por Renan poderiam muito bem não ter ocorrido. Em resumo: uma confusão enorme entre o número de cabeças de gado, as respectivas GTAs e as notas fiscais. Detalhe: as tais GTAs foram emitidas pela Prefeitura de Murici (AL), cujo prefeito era Renan Calheiros Filho, o “Renanzinho”.
Sobre outros documentos encaminhados pelo senador ao Conselho de Ética: faltaram comprovantes de depósitos, houve duplicidade de cheques usados na mesma transação, o total da soma de recibos não batia com o que foi supostamente recebido, comprovantes eletrônicos de depósitos apareceram com datas anteriores às das vendas e outros recibos mencionaram os mesmos cheques para justificar vendas em dias diferentes. Pareceu que tudo foi arranjado e montado às pressas, e por isso tantas imperfeições.
Outra dor de cabeça: para demonstrar que tinha dinheiro para pagar Mônica Veloso, Renan inflou vencimentos e incluiu no extrato de rendimentos verbas indenizatórias recebidas do Senado durante quatro anos, no valor de mais de R$ 812 mil. A verba indenizatória serve para ressarcir os parlamentares de despesas com aluguel de escritórios, condomínios, gastos com combustível, consultorias, serviços de segurança e contas de telefone. Não é renda.
Apesar da inconsistência dos argumentos de defesa de Renan e, portanto, das evidências de conduta inadequada e quebra do decoro parlamentar, Lula manteve o apoio ao presidente do Senado. O que fez Lula assumir o desgaste de defender um político execrado pela opinião pública? Por que o temor e o rabo-preso de Lula? O que Renan saberia ou poderia revelar? A postura do presidente da República serviu para recompensar o apoio de Renan durante a crise do mensalão? Renan ameaçou contar o que sabia?
Em 27 de junho de 2007, Lula recebeu Renan no Palácio do Planalto. Oficialmente, a Presidência da República informou que a reunião fora uma solicitação do senador. A assessoria de Renan informou que partira de Lula a iniciativa do encontro. Tanto faz. De todo modo, a partir dali mudou a estratégia de defesa de Renan. Em vez de resolver logo o caso, forçando o encerramento do processo, a ideia passou a ser a de prolongá-lo ao máximo, à exaustão, com a finalidade de cansar a opinião pública. Quando a imprensa deixasse de noticiar e a sociedade não estivesse mais prestando tanta atenção ao assunto, se daria a tacada para absolver o presidente do Senado.
Da reunião entre Lula e Renan vazou o de praxe: Lula se declarou solidário e se queixou da imprensa. Exemplificou com o “linchamento” contra o irmão Genival Inácio da Silva, o “Vavá”, investigado pela Operação Xeque-Mate da Polícia Federal. Lula também reclamou do senador Eduardo Suplicy (PT-SP). Insinuou que o senador não cumpria acordos políticos e agia como julgava conveniente. Já Renan saiu do gabinete do presidente da República dizendo que não iria renunciar. Palavras do senador:
– O presidente Lula é um amigo e pretendo cultivá-lo dessa forma. Essa coisa de pedir apoio e solidariedade é muito corriqueira na vida das pessoas.
Em seguida, Lula reuniu-se com a líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC), e com um importante articulador do partido na Casa, senador Tião Viana (PT-AC). Conversaram sobre o papel que o senador Aloizio Mercadante (PT-SP) poderia desempenhar para ajudar a debelar a crise. Mercadante era homem da absoluta confiança do presidente da República. Para registrar: o deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), presidente nacional do PT, e o ex-ministro José Dirceu, atuante como sempre, já haviam defendido publicamente a permanência de Renan na Presidência do Senado.
No mesmo dia da reunião entre Lula e Renan veio à tona gravação de conversa telefônica entre Mônica Veloso e Cláudio Gontijo, o da Mendes Júnior. A certa altura, quando a jornalista perguntou sobre um pedido de Renan para Gontijo pagar despesas de campanha eleitoral, o representante da empreiteira afirmou, reproduzindo o que seria uma solicitação do senador:
– É sempre assim: “Cláudio, arruma aí, pede emprestado“.
Renan Calheiros vinha repetindo, desde o início da crise, que Cláudio Gontijo era apenas um amigo, e jamais lhe pagou quaisquer despesas.
Dia seguinte é o da nomeação do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, para mais um mandato. Em solenidade no Palácio do Planalto, Lula, Renan e a imprensa, que registrou as palavras do presidente da República. Lula defendeu o presidente do Senado:
– Uma coisa me inquieta como cidadão, me inquieta no comportamento da Polícia Federal e no comportamento do Ministério Público. Muitas vezes não temos o cuidado de evitar que pessoas sejam execradas publicamente, antes de serem julgadas.
Lula falou como se Renan tivesse apresentado provas satisfatórias contra as denúncias que pesavam sobre ele. Após o discurso do presidente, Renan sorriu e deu dois tapinhas de agradecimento nas costas de Lula. Aos jornalistas, demonstrando alívio, o presidente do Senado comentou:
– Acharam que era fácil me derrubar…
Renan agradeceu o apoio de Lula e lembrou do escândalo do mensalão:
– Quando houve a crise com Lula, eu o apoiei com a mesma compreensão.
A essa altura, a pressão da opinião pública pelo afastamento de Renan já havia derrubado outro relator do caso, senador Wellington Salgado (PMDB-MG), e o próprio presidente do Conselho de Ética do Senado, Sibá Machado (PT-AC). Wellington Salgado, aliado de Renan, exigiu que o relatório inocentando o amigo fosse votado no mesmo dia em que assumiu os trabalhos. Frustrado, renunciou em menos de 24 horas. Sibá Machado, por sua vez, foi acusado de fazer corpo-mole e não defender Renan como poderia. Saiu para não prejudicar ainda mais a sua imagem.
Para substituí-lo, PMDB e PT bancaram o senador Leomar Quintanilha (PMDB-TO), acusado de integrar organização criminosa desmantelada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público em 2002. A investigação levou à descoberta de 14 cheques no valor de R$ 283 mil, todos em favor de um assessor e de um irmão do senador. A propina teria sido depositada por empreiteira beneficiada por obras custeadas a partir de emendas apresentadas por Leomar Quintanilha ao Orçamento da União. A denúncia implicou o senador em fraudes em quatro licitações, superfaturamento de obras e pagamento por obras não executadas. Da mesma forma que Renan, Leomar Quintanilha elevou o patrimônio comercializando gado durante o governo Lula. No período da administração do PT, o patrimônio declarado por Leomar Quintanilha à Receita Federal passou de R$ 1 milhão para R$ 1,9 milhão.
Líder do governo no Senado, Romero Jucá apressou-se em defender a legitimidade da indicação de Quintanilha, seu colega de partido:
– Não existe nenhum impedimento legal contra o senador Quintanilha, nada que o impeça de presidir o Conselho de Ética.
Afinado com Romero Jucá, Quintanilha devolveu o processo contra Renan à Mesa Diretora do Senado e na prática pôs o caso na estaca zero. Se tudo desse certo para os estrategistas do presidente do Senado, o processo seria arquivado, em votação secreta, pelo conjunto dos senadores. A manobra não prosperou, contudo, e o caso voltou para o Conselho de Ética.
Nova denúncia contra a família Calheiros: em 2003, o irmão do senador, deputado Olavo Calheiros (PMDB-AL), abriu a Conny Indústria e Comércio de Sucos e Refrigerantes em Murici (AL). A fábrica, conforme levantamento da revista Veja, valia menos de R$ 10 milhões, mas foi vendida à Schincariol, segunda maior cervejaria do País, por R$ 27 milhões.
Para construir a fábrica, Olavo Calheiros ganhou de graça terreno de 45 mil metros quadrados da Prefeitura, que estava nas mãos de outro irmão dele, o prefeito Remi Calheiros. A fábrica ficou isenta do pagamento de água por três anos. Para erguer as instalações, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) concedeu empréstimo de R$ 6 milhões, que seria quitado em 20 anos. Negócio perfeito. Principalmente porque o empréstimo não foi honrado. O gerente do banco que autorizou a operação de crédito recebeu a devida recompensa. Por indicação de Renan virou superintendente do BNB (Banco do Nordeste do Brasil) em Alagoas.
Com o fechamento do negócio com a Schincariol, Olavo Calheiros teria posto no bolso R$ 17 milhões. Por que a Schincariol teria desembolsado três vezes mais pela fábrica dos Calheiros? A reportagem de Veja explicou que Renan fez gestões junto ao Ministério da Justiça e ao INSS (Instituto Nacional de Seguro Social), que planejava executar dívida de R$ 100 milhões da cervejaria. No ano anterior, alguns dirigentes da Schincariol chegaram a ser presos acusados de sonegar R$ 1 bilhão. Possível resultado da interferência do senador, a dívida executada acabou somando apenas R$ 49.700.
Solícito, Renan Calheiros também visitou a Receita Federal, que deveria aplicar multa milionária à Schincariol e cobrar dinheiro sonegado. Possível resultado da interferência do senador, a dívida foi pulverizada pelas fábricas da cervejaria espalhadas pelo País, o que complicaria e retardaria quaisquer cobranças. Para constar: 11 certidões da Conny Indústria e Comércio de Sucos e Refrigerantes desapareceram da Junta Comercial de Alagoas. Os documentos faziam referências a alterações de contrato e decisões da diretoria.
Renan voltou a se encontrar com Lula. Disse que não deixaria o cargo de presidente do Senado. Lula baixou a cabeça. Em 11 de julho de 2007, ambos almoçaram juntos, em companhia das mulheres, Marisa e Verônica, durante recepção à governadora-geral do Canadá, Michaëlle Jean. Na ocasião, Lula sugeriu que Renan tirasse férias com a família.
Fortalecido por mais um gesto de apoio do presidente da República, Renan usou o cargo de presidente do Senado para retardar a investigação no Conselho de Ética. Adiou quatro dias, até a véspera do recesso parlamentar, o envio de documentos apresentados por sua defesa para a perícia da Polícia Federal. Os documentos seriam a comprovação de que Renan obteve ganhos de R$ 1,9 milhão com a venda de gado, e assim disporia de dinheiro para dar a Mônica Veloso. Engraçado o senador protelar a entrega das provas que o absolveriam. O governo assentiu. De Romero Jucá, líder de Lula no Senado:
– O governo está acompanhando tudo com preocupação, solidário a Renan e torcendo para que tudo seja resolvido dentro da trilha da normalidade.
Do presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), ao dizer que Renan merecia o apreço do partido por ter sido sempre aliado de Lula:
– Não aceitamos linchamento público nem constrangimento para forçar o presidente do Senado a se licenciar da função ou a renunciar.
Depois de várias manobras protelatórias, a Polícia Federal recebeu ofício do ministro da Justiça, Tarso Genro(PT-RS), com autorização para analisar os documentos. Só que a papelada não chegou a ser enviada. Só a autorização. Pareceu piada. A Polícia Federal teve de requisitá-la formalmente. Durante todo o período de perícia, aliás, a defesa de Renan tratou de encaminhar mais relatórios, retardando e confundindo o trabalho dos agentes federais.
A Secretaria da Fazenda de Alagoas atrasou remessa de notas fiscais e comprovantes de supostas transações com gado. A Secretaria de Agricultura de Alagoas demorou a encaminhar atestados de vacina e outros documentos. A defesa do presidente do Senado procurou construir a versão de que o irmão de Renan, deputado Olavo Calheiros, foi um dos compradores do gado. Outro comprador teria sido o matadouro e frigorífico Mafrial, que não anexou notas fiscais próprias, mas as de um conjunto de empresas fantasmas ou irregulares. Os supostos compradores não chegaram a ser localizados ou não mandaram informações para documentar e dar sustentação às operações.
Em 1º de agosto de 2007, a sede do Mafrial, em Satuba (AL), foi assaltada. A quadrilha de seis homens armados levou dinheiro, cheques e documentos. Funcionários testemunharam que os assaltantes perguntaram sobre “os documentos do Renan“. O assalto ocorreu 48 horas após suposta ação de fiscalização da Secretaria da Fazenda de Alagoas no estabelecimento, e apenas poucas horas antes do prazo final de entrega do demonstrativo de abate de gado. Estranho. O Mafrial não encaminhou parte dos documentos solicitados.
Importante frisar que quando fez a sua defesa no Conselho de Ética, Renan apresentou recibos que comprovariam a venda de gado para açougues e compradores de carne em Maceió, mas não citou o tal Mafrial como um deles. Só depois o nome do frigorífico surgiu. Mesmo aceitando a nova versão do senador, não dá para fugir do fato: ao negociar com o Mafrial, Renan aceitou receber cheques e emitir notas fiscais para terceiros.
A Polícia Federal apurou que pessoas cujos nomes apareciam assinando os cheques não tinham vínculos com as empresas supostamente envolvidas nas transações. Além disso, o Mafrial não possuía autorização para comprar carne, mas apenas para abater, armazenar e transportar, o que também atrapalhava a nova versão de Renan sobre o destino do gado.
Em outra frente, os irmãos Renan e Olavo Calheiros foram acusados por grilagem das terras de Antonio Gomes Vasconcelos, primo em segundo grau dos Calheiros, em Murici (AL). Os irmãos também o teriam ameaçado. A fazenda teria sido subtraída com a ajuda do Cartório de Registro de Imóveis de Murici. Apareceu em nome deDimário Calheiros, primo de Renan e de Olavo. Dimário Calheiros informou que estava sendo usado como “laranja” pelos dois irmãos, e negou ser o proprietário das terras. O cartório chegou a sofrer intervenção. A tabeliãMaria de Lourdes Ferreira Moura foi afastada.
Em outro caso de grilagem, Genival Mendes de Melo acusou o deputado Olavo Calheiros de ter se apropriado da fazenda São Bernardo e a registrado em seu nome como fazenda Capoeirão. A área serviria como garantia para a obtenção do empréstimo bancário que viabilizou a implantação da fábrica de refrigerantes Conny, a mesma vendida depois para o grupo Schincariol. As denúncias de grilagem chegaram ao Ministério Público Federal, mas não foram investigadas pelo Senado.
Mais uma denúncia contra o presidente do Senado nas páginas da revista Veja: a edição de 4 de agosto de 2007 apresentou indícios de que o patrimônio de Renan era ainda maior que os quase R$ 10 milhões previamente estimados. Ele seria dono de duas emissoras de rádio em Alagoas, no valor de R$ 2,5 milhões, e teria sido proprietário de um jornal diário, avaliado em R$ 3 milhões. Todos registrados em nomes de “laranjas”, para que Renan ficasse no anonimato. Os negócios teriam sido fechados à margem da legislação, com dinheiro vivo, em reais e dólares, e contratos de gaveta.
Renan associara-se ao usineiro João Lyra para comprar as empresas de comunicação. Os dois pagaram o equivalente a R$ 2,6 milhões, metade a cada um. Criaram a JR Rádiodifusão, sendo “J” de João Lyra, e “R” de Renan. O empresário teria emprestado R$ 700 mil para o presidente do Senado honrar a sua parte. O dinheiro em espécie, sempre em dólares e reais, acabou devolvido a João Lyra em envelopes transportados por Everaldo Ferro, assessor de Renan. Os outros R$ 650 mil que cabiam ao senador foram saldados em quatro parcelas, sempre em dinheiro vivo, entregues por Ildefonso Antônio Tito Uchoa Lopes, primo e sócio de Renan.
Tito Uchoa, aliás, vale menção à parte. Filho de um ex-prefeito de Murici (AL), foi acusado pelo Ministério Público por improbidade administrativa. Era funcionário da Delegacia Regional do Trabalho em Alagoas, cargo que ocupou indicado por Renan. Ganhava R$ 1.390, mas o salário importaria pouco. É o que sempre acontece nesses casos. No cargo, teria participado de esquema de direcionamento de licitações, fraudes em contratos e superfaturamento de preços. A reforma do prédio da Delegacia Regional do Trabalho teria proporcionado desvio de R$ 1 milhão. A empreiteira escolhida para executar as obras seria de propriedade de Jubson Uchoa, irmão de Tito.
Pau para toda obra, espécie de testa-de-ferro, Tito Uchoa prestava serviços a Renan. Seus negócios se misturavam com os do senador. Admitiu ter em seu nome uma fazenda de Renan no interior de Alagoas. Além de sócio de Renanzinho no Sistema Costa Dourada de Radiodifusão, Tito Uchoa tinha outra sociedade com o filho de Renan na empresa Correio Gráfica, Editora e Produtora. Ao todo, o grupo de Renan teria ligações com sete emissoras de rádio em Alagoas. O senador recusou-se a comentar a reportagem de Veja.
Renanzinho, por sinal, teve renda líquida anual, como prefeito de Murici, de R$ 55.400 em 2005. Naquele mesmo ano, porém, comprou uma camionete de luxo, por R$ 45.280. Já Tito Uchoa, que teria vendido em 2004 uma fazenda por R$ 400 mil a Renan Calheiros, não informou à Receita Federal a posse ou a venda da propriedade, o que reforçava a suspeita de que o imóvel era mesmo, desde o princípio, do próprio senador. E ele, apenas um testa-de-ferro.
Em 6 de agosto de 2007, o STF (Supremo Tribunal Federal) abriu inquérito para apurar suspeitas de enriquecimento ilícito, uso de documentos falsos, prevaricação e crimes financeiros atribuídos a Renan Calheiros. O pedido foi apresentado pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza. Os sigilos bancário e fiscal do senador foram quebrados. A Mesa do Senado, por sua vez, solicitou ao Conselho de Ética que fizesse investigações sobre as ligações de Renan com empresas de rádio em Alagoas, grilagem de terras e eventuais favorecimentos à cervejaria Schincariol.
Pouco antes de uma sessão em memória do senador Antonio Carlos Magalhães, em 8 de agosto, Renan concedeu entrevista para dizer que recebera telefonema do presidente Lula, que estava em viagem naNicarágua. Em Manágua, Lula conversou com jornalistas sobre as denúncias contra Renan. Palavras do presidente da República:
– O que nós precisamos é permitir que as pessoas tenham tempo de provar se são culpadas ou não e, ao mesmo tempo, serem julgadas corretamente.
Agora, as palavras do presidente do Senado sobre o telefonema recebido:
– Vocês sabem que, com o presidente Lula, mais do que uma relação político-partidária, eu tenho relação de amizade pessoal. Ele é meu amigo.
Os peritos do INC (Instituto Nacional de Criminalística, da Polícia Federal) não identificaram documentos capazes de comprovar que o dinheiro movimentado por Renan vinha mesmo do comércio de gado. A coisa funcionou assim: o senador alegou que vendeu carne ao frigorífico Mafrial, não sendo responsável pelo repasse do produto a empresas de idoneidade duvidosa. A defesa de Renan não apresentou notas fiscais do Mafrial, nem o frigorífico remeteu documentos para comprovar transações com o senador.
Para ficar claro: os peritos identificaram empresas fictícias e correntistas de aluguel apontados como os compradores da carne das fazendas de Renan. O esquema seria operado por Zoraide Beltrão, proprietária do Mafrial. Ela mostrou notas fiscais dos tais compradores, em nome de pequenos açougues, empresas de fachada para lavar dinheiro e facilitar a sonegação de impostos.
Entre 2004 e 2006, por exemplo, o esquema da Mafrial movimentara entre R$ 1 milhão e R$ 1,5 milhão mensais, em contas bancárias em nome das “laranjas” Carnal Carnes de Alagoas, Stop Carnes e GF da Silva Costa, cujo dono, Genildo Ferreira da Silva Costa, um modesto ex-empregado de Zoraide Beltrão, apareceu como responsável por fazer movimentação bancária de R$ 500 mil por mês. O Mafrial declarou vendas de R$ 5,1 milhões, mas nenhum contribuinte declarou ter efetuado quaisquer compras do frigorífico.
Em 15 de agosto, Lula e Renan Calheiros reuniram-se no Itamaraty, durante almoço oferecido ao presidente doBenin, Boni Yaji. Lula elogiou o trabalho de Renan no Senado e culpou a oposição pelas agruras do senador:
– Estou vendo pela imprensa que o Renan apresenta documentos em sua defesa e não aceitam.
Renan não se surpreendeu com o apoio:
– Lula já fez isso umas quatro ou cinco vezes. Demonstra que, mais do que uma relação política, nós temos uma relação pessoal.
Naquela noite, Lula voltaria ao assunto:
– Eu acho desagradável quando alguém é execrado na primeira página do jornal, sem que se tenha feito uma apuração correta, só porque alguém foi lá e disse que era.
O Senado recebeu, em 21 de agosto de 2007, laudo de 70 páginas com os trabalhos do INC (Instituto Nacional de Criminalística). O relatório apontou inconsistências na evolução patrimonial de Renan Calheiros. Saques bancários apresentados pelo senador como prova de pagamentos a Mônica Veloso, com recursos próprios dele, não bateram com valores nem datas de entrada de dinheiro na conta bancária da jornalista. Não havia sequer uma prova de transferência direta de Renan para Mônica no período que antecedeu o reconhecimento da paternidade. Os documentos apresentados pela defesa não atestaram capacidade econômico-financeira de Renan para custear a pensão.
Do laudo: “Foi apresentada relação de pagamentos realizados à jornalista. Entretanto, essa relação somente discrimina o mês do pagamento. Assim, faltam parâmetros que permitam afirmar se o representado possuía ou não saldo para realizar os pagamentos“.
Os papéis de Renan tampouco comprovavam a venda de 2.200 bois ou o faturamento de R$ 1,9 milhão com atividades rurais em quatro anos, conforme alegara a defesa do senador. Simplesmente não havia provas de que o gado era mesmo dele, conforme o laudo, “devido a diversas inconsistências verificadas nos documentos examinados e, também, por não ter sido disponibilizado conjunto de documentos que ateste a propriedade do gado“.
O laudo fez 30 ressalvas relacionadas à evolução patrimonial de Renan e às operações com animais. Ficou a impressão de que o senador providenciou uma maquiagem de patrimônio para justificar a posse de recursos, sem cuidados para fechar contas ou apresentar números consistentes.
Um exemplo das incongruências foi obtido na análise dos livros-caixa das fazendas de Renan, que deveriam apresentar as despesas efetuadas nas propriedades. Do laudo da Polícia Federal:
“A ausência de registros de despesas de custeio, sob o aspecto da disponibilidade de recursos como justificativa patrimonial, implica resultado fictício da atividade rural, que se reflete na evolução patrimonial.”
Tem mais: Renan afirmou que encerrou o ano de 2003 com 1.040 cabeças de gado. Informou 100 nascimentos de animais no ano, mais a venda de 264 exemplares, até 25 de abril de 2004. Isso daria um rebanho de 876 cabeças. Só que, ao mesmo tempo, o senador afirmou ter vacinado 1.500 animais, 624 a mais do que havia sido declarado. O senador também relatou que em 2004 houve 472 nascimentos em seu rebanho, mas os documentos de vacinação dão conta de que só 200 matrizes estavam em idade de reprodução nas fazendas dele. Para a conta fechar, todas teriam de ter gerado mais de dois bezerros naquele ano, mas o período de gestação dos bovinos é de nove meses. Para quem não sabe, casos de bezerros gêmeos são muito raros.
Outro problema: para compensar despesas sem cobertura, Renan declarou na última hora ter emprestado R$ 178 mil da empresa Costa Dourada Veículos, uma prestadora de serviços do Governo de Alagoas. O valor seria quitado mediante o pagamento de duas promissórias, mas não houve registro de devolução do dinheiro na empresa. A suposta operação tampouco foi declarada no Imposto de Renda de Renan, nem ao menos registrada em cartório. E mais: dos R$ 178 mil, R$ 99 mil teriam sido emprestados em 2005, ano em que a Costa Dourada Veículos registrou lucro de apenas R$ 71 mil. Para anotar: o primo de Renan Calheiros, Tito Uchoa, era o dono da Costa Dourada Veículos. O senador se enrolou ainda mais.
Em sessão tumultuada, o Conselho de Ética do Senado recomendou a cassação do mandato de Renan Calheiros por quebra de decoro parlamentar, em 30 de agosto de 2007. Trecho do parecer assinado pelos senadores Renato Casagrande (PSB-ES) e Marisa Serrano (PSDB-MS) no qual é citado o suposto empréstimo tomado na Costa Dourada Veículos:
“O que se extrai dos autos é a dissimulação, a negação da verdade. À medida que as investigações avançavam e novos fatos surgiam, diferentes versões eram apresentadas, por meio de documentos que não comprovam a versão apresentada pelo representado. O exemplo do empréstimo é bastante elucidativo.”
Como se não bastasse, mais uma denúncia contra Renan. O advogado Bruno de Miranda Lins, ex-marido de uma assessora do presidente do Senado, acusou o pai dela, empresário Luiz Carlos Garcia Coelho, de operar esquema de arrecadação de dinheiro ilegal em benefício de Renan, em ministérios sob comando do PMDB. Renan teria recebido “sacolas de dinheiro“.
O advogado Bruno de Miranda Lins relatou à revista Época que ele próprio transportou dinheiro de propina pelo menos em seis ocasiões. Fez dois saques no BMG, um de R$ 1,5 milhão e outro de R$ 500 mil. Carregava o dinheiro em sacolas. Em depoimento prestado à Polícia Civil de Brasília, Bruno de Miranda Lins afirmou que oINSS (Instituto Nacional de Seguro Social) privilegiou o BMG na concessão de créditos consignados.
De acordo com o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, o BMG foi “flagrantemente beneficiado” ao obter autorização do INSS para oferecer empréstimos consignados a 23 milhões de aposentados e pensionistas. Havia pareceres contrários à autorização, pois as normas em vigor só permitiam à Caixa Econômica Federal, pagadora de benefícios, a operação das concessões. Os pareceres foram ignorados e o BMG se tornou o primeiro banco privado de pequeno porte a ter acesso a esse mercado. Atuou sem concorrentes e conseguiu lucros milionários. Uma carta assinada pelo presidente Lula chegou a ser distribuída aos segurados da Previdência Social, comunicando a novidade das linhas de crédito exploradas pelo BMG.
Além de Renan, o líder do governo Lula no Senado, Romero Jucá, também teve o nome implicado na maracutaia entre o INSS e o BMG. Bruno de Miranda Lins o acusou. Em 2005, Jucá ocupava o cargo de ministro da Previdência Social, nomeado por Lula. O INSS estava subordinado a ele. Bruno de Miranda Lins acusou o deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT), que havia sido presidente do INSS. Contou que, a mando de Luiz Carlos Garcia Coelho, levou pessoalmente R$ 150 mil a Bezerra. Foi de Bezerra, aliás, o ato que formalizou a autorização para o BMG explorar empréstimos consignados.
No dia seguinte à nova denúncia, o ministro da Defesa, Nelson Jobim (PMDB-RS), importante auxiliar do presidente Lula, foi fotografado à luz do dia conversando com Renan na frente da casa do senador. Em seguida, Jobim deixou o local no automóvel do advogado de Renan, Eduardo Ferrão.
Em votação aberta, em 5 de setembro de 2007, o Conselho de Ética do Senado aprovou, por 11 votos a 4, pedido de cassação de Renan. A Comissão de Constituição e Justiça confirmou a decisão. Renan seria julgado pelo plenário do Senado, em votação secreta. No mesmo dia, Lula se manifestou:
– Renan tem mostrado as provas e essas provas são analisadas na Comissão de Ética, na Comissão de Justiça e no plenário. Vamos ver a decisão.
O Palácio do Planalto jogou pesado. O ministro das Relações Institucionais, Walfrido dos Mares Guia (PTB-MG), o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), e a líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC), passaram a procurar aliados para transmitir a posição do presidente Lula: a cassação do mandato de Renan não interessava ao governo. De Renan:
– O PT sempre teve e terá em relação a mim um comportamento de aliado, proporcional ao que sempre tive com ele. A minha relação com o PT nunca esteve tão boa como está agora.
Na véspera da votação no Senado, Lula voltou a se manifestar:
– Eu não posso acreditar numa moeda de uma única face. Quer dizer que se absolver o Renan vai ter problema e se condenar não tem problema?
Na mesma linha, o senador Aloizio Mercadante (PT-SP):
– A gente não pode prejulgar, tem que ouvir a defesa até o final.
Em 12 de setembro, votação secreta no Senado absolveu Renan de receber dinheiro de Cláudio Gontijo, funcionário da empreiteira Mendes Júnior, para pagar pensão à jornalista Mônica Veloso. Foram 40 votos favoráveis ao presidente do Senado, 35 contra e seis abstenções. Eram necessários 41 votos para cassar Renan. Mercadante, homem do presidente Lula, confessou de pronto: absteve-se. Ajudou a absolver Renan. Alegou ausência de provas.
Ficou documentada a comemoração da senadora Fátima Cleide (PT-RO), ao lado dos senadores Sibá Machado(PT-AC), João Pedro (PT-AM), Serys Slhessarenko (PT-MT) e Ideli Salvatti (PT-SC). Fátima Cleide declarou:
– Nós somos a bancada da abstenção!
Do presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Cezar Britto:
– A absolvição do senador evidencia a urgência de uma reforma política profunda no País. O resultado da votação, na contramão do clamor público, distancia ainda mais o Senado, instituição vital ao equilíbrio federativo, da sociedade que deveria representar.
No dia seguinte, os aliados de Renan já tramavam unificar as outras denúncias contra o senador, para votá-las em bloco, de uma vez só. De Lula:
– Precisamos nos habituar a acatar o resultado das instituições. Não posso admitir que eu só possa acatar o resultando quando ele favorece aquilo que eu pensava. Houve uma votação pelas regras do Senado, e o Renan foi absolvido.
Em troca do apoio a Lula durante a crise do mensalão, em 2005, a bancada do PMDB no Senado, liderada porRenan Calheiros, indicou três ministros e passou a dar as cartas na Funasa (Fundação Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde). Renan escalaria o seu time para tomar conta do órgão.
Investigações do Ministério Público, TCU (Tribunal de Contas da União) e CGU (Controladoria-Geral da União) identificaram contratos assinados pela Funasa por valores até dez vezes acima dos praticados no mercado. Uma das empresas acusadas de se beneficiarem do esquema, a Brasfort Administração e Serviço, fornecedora de mão-de-obra terceirizada, teria posto as mãos em R$ 21,5 milhões. Outra empresa, a LWS, da área de informática, estaria envolvida em operação superfaturada que teria rendido R$ 2,6 milhões. Um processo para desenvolvimento de uma TV para treinamento de médicos à distância, orçado inicialmente em R$ 6,9 milhões, acabou chegando a R$ 71,4 milhões.
Em junho de 2008, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública contra Paulo Lustosa, cuja indicação para presidir a Funasa teria partido de Renan Calheiros, e contra Paulo Roberto de Albuquerque Garcia Coelho, também nomeado por influência de Renan, na Coordenação de Logística da Funasa. Os dois foram acusados de improbidade administrativa. Ambos teriam atuado para beneficiar a empresa Brasfort.
Os procuradores federais pediram a devolução de R$ 56,6 milhões aos cofres públicos. Outro ex-presidente da Funasa, Valdi Camarcio Bezerra (PT-GO), também foi responsabilizado. Em fevereiro de 2003, o faturamento da Brasfort era de R$ 170 mil. Em setembro de 2006, chegou a R$ 2 milhões. A Funasa voltaria ao noticiário em novembro de 2008. O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, acusou a direção do órgão:
– As denúncias de escândalos, corrupção, desvio de dinheiro estão todo dia na imprensa. A situação é muito grave. Não podemos deixar a situação do jeito que está. Temos de mudar.
Logo após, em solenidade ao lado do presidente da Funasa, Danilo Forte, José Gomes Temporão tentou amainar a declaração. Disse que se referira a gestões passadas. O curioso é que Danilo Forte, apadrinhado do líder do PMDB na Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (RN), e do ex-ministro das Comunicações de Lula, deputado Eunício Oliveira (PMDB-CE), tinha sido diretor-executivo da Funasa na gestão anterior, período em que Paulo Lustosa era presidente do órgão. Em todo o caso, Temporão havia dito mais, ao abordar a proposta de transferir o controle do programa de saúde indígena da Funasa para uma nova secretaria a ser criada pelo Ministério da Saúde:
– O Ministério não vai se dobrar a outros interesses que querem manter a situação de baixa qualidade, corrupta e totalmente contra os princípios do SUS. Isso a gente não aceita.
De fato, auditoria da CGU (Controladoria-Geral da União) apurou um rombo de R$ 67,8 milhões em obras públicas de saneamento e serviços de atenção à saúde indígena a cargo da Funasa, em apenas três anos de governo Lula. O dinheiro teria sido desviado por meio de contratos superfaturados e no pagamento de obras não executadas. O TCU (Tribunal de Contas da União) também detectou irregularidades na aplicação de recursos públicos da Funasa. A empresa Brasfort, por exemplo, seria definida como uma espécie de feudo da família Calheiros dentro da Funasa.
As estocadas de José Gomes Temporão, ligado ao PMDB, provocaram uma rebelião no partido. Parlamentares pediram a sua cabeça. O ex-presidente da Funasa, Paulo Lustosa (PMDB-CE), eleito deputado em 2006, discursou da tribuna da Câmara para defender a demissão de Temporão. O PT também arregalou os olhos. Sonhou em voltar a controlar o Ministério da Saúde. Com a crise, Temporão chegou a exigir a troca do presidente da Funasa, mas Lula, como sempre, decidiu pôr panos quentes. No fim ficaram ambos, o ministro Temporão e Danilo Forte. Tudo do jeito que estava.
Cabe ressaltar que, em meio à crise, Paulo Lustosa foi denunciado pelo Ministério Público Federal do Distrito Federal, por improbidade administrativa. A ação pedia a devolução de R$ 3,7 milhões pagos pela Funasa à empresa OMS Consultoria e Sistemas, acusada de ser contratada de forma irregular durante a gestão de Lustosa. O contrato foi considerado suspeito por diversas irregularidades, tais como licitação dirigida, superfaturamento de preços e pagamento por serviços não executados. O negócio acabou cancelado após a saída de Lustosa da presidência da Funasa.
A Operação Metástase, da Polícia Federal, chegou a prender 32 pessoas em outubro de 2007, todas acusadas de fraudar licitações na Funasa. Na época, os federais estimaram em mais de R$ 34 milhões os prejuízos com a compra de medicamentos e a contratação de obras e táxi aéreo para uso da Funasa. Paulo Lustosa estava respondendo a cinco ações por improbidade administrativa em junho de 2009. A última acusação era de superfaturamento de até 1.100% na contratação da empresa Digilab, para implementar uma tal de TV Funasa. O Ministério Público queria a devolução de R$ 6,5 milhões aos cofres públicos. O caso da Digilab fez a CGU (Controladoria-Geral da União) determinar o impedimento de Paulo Lustosa. Ele não poderia exercer cargos públicos por cinco anos. Ao longo de 2009, a Polícia Federal anunciou investigações para apurar corrupção em escritórios da Funasa na Paraíba, Tocantins e Ceará.
Mas voltemos aos problemas de Renan Calheiros com o decoro parlamentar. “Resolvido” o caso dos pagamentos à jornalista Mônica Veloso, a tropa de choque do presidente do Senado decidiu agir rápido. Em 14 de setembro de 2007, o senador João Pedro (PT-AM), relator do processo que deveria investigar supostos benefícios de Renan à cervejaria Schincariol em troca de vantagens pessoais, anunciou não haver provas contra o senador. O petista informou a decisão de não ouvir ninguém sobre o caso e de solicitar o arquivamento imediato da denúncia ao Conselho de Ética.
Preocupado com o desgaste que o arquivamento traria, o PT mudou a tática em seguida. Passou a defender a unificação de todos os processos contra Renan. Assim, não haveria o mal-estar de se enterrar o caso Schincariol logo após o de Mônica Veloso, ao mesmo tempo em que, agrupadas as denúncias, todos os problemas do senador seriam solucionados de uma só vez. Mesmo assim, João Pedro acabaria recomendando oportunamente a absolvição de Renan e obtendo o arquivamento do caso Schincariol no Conselho de Ética.
Fortalecido com a primeira absolvição no plenário do Senado e a guarida de Lula e do PT, Renan achou que não seria mais cassado e ainda asseguraria o cargo de presidente do Senado. Para manter o posto e mostrar força, trabalhou para derrubar a Medida Provisória que criava a Secretaria de Planejamento de Longo Prazo. Quis mostrar que, sem ele, Lula estaria em apuros.
Mas as coisas não andaram como Renan desejou. A Mesa Diretora do Senado encaminhou mais uma denúncia ao Conselho de Ética. Desta vez, a acusação tinha como base o depoimento do advogado Bruno de Miranda Lins. Segundo ele, Renan estava envolvido em esquema de cobrança de propina em ministérios e órgãos públicos controlados pelo PMDB.
Por ironia, não foi a série de denúncias de corrupção o fator que mais complicou a vida do presidente do Senado. Renan entrou em apuros quando cometeu o erro de investigar os colegas. Só nesse momento os senadores se uniram para acabar com o seu poder político. Renan achou que, descobrindo podres dos outros, poderia, por meio de chantagem, obter apoio. O resultado da ação errática seria a formalização de mais uma denúncia contra ele.
Para pressionar os senadores do PT, Renan tratou de espalhar informações supostamente comprometedoras à imprensa. Tião Viana (PT-AC) tinha uma funcionária fantasma no gabinete. Recebia do Senado, mas trabalhava na sede do partido. Ela foi demitida. Contra Aloizio Mercadante (PT-SP), Renan vazou a informação de que teria o que dizer sobre o envolvimento de assessores dele no chamado escândalo do dossiê.
Já para prejudicar Ideli Salvatti (PT-SC), o presidente do Senado poderia trabalhar pela instalação da CPI das ONGs, o que escancararia suposto envolvimento da senadora com organizações suspeitas de desvios e financiamentos irregulares de campanha em Santa Catarina. Por fim, Renan moveria seu canhão contra Serys Slhessarenko (PT-MT), que teria participado do que ficou conhecido como a máfia dos sanguessugas.
Provocou alvoroço a acusação de que Renan mandou um assessor implantar câmeras de vídeo em um hangar do aeroporto de Goiás, para complicar a vida de dois senadores do Conselho de Ética que votaram pela cassação de seu mandato. De acordo com a denúncia, Renan queria flagrar Marconi Perillo (PSDB-GO) eDemóstenes Torres (DEM-GO) entrando em aeronaves de empresários, para depois fazer chantagem.
O assessor escolhido para fazer o serviço em Goiás, Francisco Escórcio, era figura carimbada no Senado. Tinha ligações históricas com José Sarney (PMDB-AP) e chegou a trabalhar com Waldomiro Diniz no Ministério da Casa Civil, na época do ministro José Dirceu (PT-SP). Se Renan decidira bisbilhotar a vida de dois senadores, poderia muito bem procurar devassar a dos demais. Houve uma revolta generalizada no Senado.
A gota d’água para os senadores foi a descoberta de que Renan usara a máquina do Senado para descobrir eventuais notas frias apresentadas pelos colegas na prestação de contas das verbas indenizatórias. Aqui, sim, Renan teria atuado contra todos os senadores. Não seria mais perdoado.
Como se não bastasse, Renan ainda errou a mão ao articular o afastamento dos senadores Pedro Simon(PMDB-RS) e Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), como forma de retaliação pela defesa que fizeram da sua saída da presidência do Senado. Neste caso, a trapalhada o queimou dentro do próprio PMDB. O afastamento dos dois da CCJ acabou sendo revogado.
Em 11 de outubro de 2007, Renan pediu licença por 45 dias da presidência do Senado. Ele renovaria a licença, mas não voltaria ao cargo. Renan não teve limites. O secretário-adjunto da Mesa do Senado, Marcos Santi, solicitou demissão do posto durante as investigações sobre a origem do dinheiro de Renan no caso Mônica Veloso. Ele não aceitou o uso da máquina do Senado para interferir nos processos que tramitavam no Conselho de Ética.
Como exemplo da manipulação, Marcos Santi citou um pedido para redigir texto para o então presidente do Conselho de Ética, senador Sibá Machado (PT-AC). O parecer deveria negar solicitação para a realização de diligência em Alagoas que buscaria documentos comprometendo a versão de Renan Calheiros sobre a renda auferida com a comercialização de gado. Com a trama, Renan queria acelerar a votação do relatório e arquivar o caso Mônica Veloso, ainda no início das investigações.
Três dias depois do afastamento de Renan da presidência do Senado, mais uma denúncia de corrupção. O caso da KSI Consultoria e Construções foi revelado pelo repórter Ricardo Brandt, no jornal O Estado de S. Paulo. A empresa-fantasma recebeu dos cofres da União R$ 280 mil, por meio da Funasa, para construir 28 casas emMurici (AL). O dinheiro, claro, veio de emenda apresentada por Renan ao Orçamento da União. A KSI era controlada por um aliado de Renan, de nome José Albino Gonçalves de Freitas. A obra foi contratada pelo prefeito de Murici, Renanzinho.
Sem sede própria, a “empresa” teria faturado R$ 1 milhão dos cofres federais, graças a convênios com várias prefeituras do interior de Alagoas. O tal José Albino, que trabalhou como assessor de Renan, chegou a operar uma segunda empresa de fachada em Alagoas, de nome Caiçara Construções. Renan também beneficiou a Caiçara. Conseguiu dinheiro para obras na Prefeitura de Flexeiras (AL), cidade vizinha de Murici, por meio de emendas ao Orçamento. Na época, Flexeiras era governada por uma prima do senador.
Havia suspeitas, ainda, sobre outras três empresas. Desde 2004, segundo ano do governo Lula, elas faturaram juntas R$ 46 milhões em verbas federais. As empresas Lacerda Engenharia, Maris Construções e Materiais eCicla Construções e Representações de Materiais atuavam no interior de Alagoas, em prefeituras que celebravam contratos graças a emendas de Renan.
A Operação Carranca, da Polícia Federal, prenderia os empresários ligados a essas e outras empresas que agiam em Alagoas, inclusive na cidade de Murici, todos acusados de fraudar licitações públicas com recursos federais entre 2004 e 2007. O prejuízo apurado pelos federais alcançava R$ 20 milhões. As empresas simulavam que disputavam as licitações, mas eram coirmãs ou fantasmas, montadas para fraudar contratos com o governo.
Do procurador Rodrigo Tenório, do Ministério Público de Arapiraca (AL), que participou das investigações: “Eles tinham um contrato para pavimentar 300 metros de asfalto e faziam 200. Tinham de fazer casas com muros separados e faziam geminadas“.
Supostamente alheio à nova denúncia envolvendo Renan, o presidente interino do Senado, Tião Viana (PT-AC), articulou a rejeição das representações contra o senador alagoano. Para agradar a oposição, tratou também da rejeição de uma representação contra o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), envolvido no caso do mensalão mineiro.
O objetivo de Lula era salvar a pele de Renan, evitando a cassação do aliado que ficaria sem mandato por 10 anos, mas desde que Renan renunciasse de vez à presidência do Senado e pusesse um ponto final à crise. Não importava a quebra do decoro parlamentar. Nunca importou. De sobra, o “acordão” facilitaria a aprovação da emenda constitucional que prorrogaria a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira). A prorrogação até o ano de 2011 da CPMF, conhecida como imposto do cheque, possibilitaria uma arrecadação de R$ 40 bilhões por ano e era estratégica para o governo.
Havia um problema pela frente: o processo da compra em nome de laranjas de duas emissoras de rádio e um jornal em Alagoas, por Renan Calheiros e o seu aliado na época, o usineiro e ex-deputado João Lyra, que confessou tudo. O caso vinha sendo relatado pelo combativo senador Jefferson Péres (PDT-AM), que seguramente não aliviaria para Renan.
A parceria oculta de R$ 2,5 milhões entre Renan e Lyra foi confirmada pelo contador José Amilton Barbosa. Para constar: a Constituição e o Regimento do Senado proíbem parlamentares de dirigirem ou serem proprietários de empresas de comunicação. Desfeita a sociedade da dupla Renan/Lyra, uma das rádios acabou em nome de Renanzinho.
João Lyra, que virou inimigo de Renan Calheiros, pôs mais lenha na fogueira. Denunciou um pagamento de R$ 500 mil que disse ter feito ao então presidente do Senado. O “pedágio” teria sido cobrança de Renan para facilitar a regularização, no Senado, de concessão de operação da rádio que ficara com Lyra depois de desfeita a sociedade. A propina teria sido paga a Tito Uchoa.
O relatório de Jefferson Péres pedindo a cassação de Renan Calheiros foi aprovado em 14 de novembro de 2007 pelo Conselho de Ética do Senado, por 11 votos a 3. Mas, lembre-se: aqui, o voto foi aberto. A perda do mandato só é decidida em plenário, pelo conjunto dos senadores, em votação secreta. E para evitar isso Lula se mexeu, naquele mesmo dia 14 de novembro, sacramentando no Palácio do Planalto uma articulação que absolveria o aliado. Da série de reuniões para discutir a estratégia governista participaram, além do próprio Renan, o presidente interino do Senado, Tião Viana (PT-AC), o ministro das Relações Institucionais, Walfrido dos Mares Guia (PTB-MG), e o senador Edison Lobão (PMDB-MA), aliado de José Sarney (PMDB-AP), que seria nomeado por Lula ministro de Minas e Energia.
Na véspera da votação secreta, Tião Viana pediu que os senadores não abrissem o voto. “Pelo regimento, se configura quebra de decoro“, ameaçou o petista. Seguindo o script acertado com Lula, Renan renunciou à presidência do Senado em 4 de dezembro de 2007. Na mesma sessão secreta, ele acabaria absolvido no processo das compras das rádios e do jornal, por 48 votos a 29. Houve três abstenções. Só 29 senadores, portanto, votaram a favor da cassação. Eram necessários 41 votos para Renan perder o mandato.
Na saída do Senado, Renan declarou: “Saio de alma lavada“. Seguiu para a casa do senador José Sarney, tida como o centro do poder do PMDB. Durante a comemoração com próceres do partido, sonoras gargalhadas foram ouvidas do lado de fora da residência. Dando prosseguimento ao acordão, no dia seguinte o presidente do Conselho de Ética do Senado, Leomar Quintanilha (PMDB-MS), mandou arquivar todas as outras denúncias contra Renan.
Renan preservou o mandato de senador. Em pouco tempo voltaria a ser poderoso, após a eleição de José Sarney para a presidência do Senado. Foi recompensado por Sarney
Fontes:
**