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A santificação sob a perspectiva da bíblia-introdução: Aqui |
“Quem dera que eles tivessem tal coração, que me temessem e guardassem em todo o tempo todos os meus mandamentos, para que bem lhes fosse a eles e a seus filhos, para sempre!” Deuteronômio 5.29.
True Lies, “Mentiras Verdadeiras” ou “A Verdade da Mentira” é um filme de ação de 1994, dirigido por James Cameron e estrelado por Arnold Schwarzenegger e Jamie Lee Curtis. Trata-se de uma história de ação e espionagem sobre um agente secreto com vida dupla espionando a própria esposa e terminando por envolvê-la numa terrível trama terrorista.
Harry Tasker é um agente secreto de elite que esconde sua profissão de sua esposa Helen, que pensa que ele é um vendedor de computadores. Quando Harry descobre que sua esposa está se encontrando com outro homem, não sabe que é porque ela quer ir atrás de mais aventura em sua vida – não atrás de sexo, como ele imaginava. De alguma forma, ela acaba caindo na mão de perigosos terroristas e dessa vez ele terá que revelar quem realmente é para salvar os dois – ou, até mesmo, ser salvo por ela[1].
Vida dupla ou dupla identidade não é apenas enredo de filme ou de produção literária, mas uma lamentável e frequente realidade na igreja evangélica de todos os tempos. Mais do que dupla, às vezes consegue-se viver, pelo menos por algum tempo, múltiplas identidades, como, por exemplo: na família, na igreja e na empresa.
Para não poucos crentes é muito comum dicotomizar, ou dividir a vida, em vida na igreja e vida fora da igreja; vida religiosa e vida social; vida espiritual e vida material. Assim, para estes, o comportamento, na igreja, é um e, fora dela, outro.
Certa mulher, ouvindo o pastor pregar, disse para quem estava ao seu lado: “– Esse é o homem que eu gostaria de ter lá em casa; esse é o homem que eu sempre sonhei como marido; e não aquele que vive lá em casa”. Porém, aquele pastor e pregador era o próprio marido dela.
No púlpito e na igreja era amável e atencioso; porém, em casa, egoísta e agressivo.
Ser íntegro é ser inteiro, ser completo, em todo o tempo e o tempo todo, como o apóstolo: “E, quando se encontraram com ele, disse-lhes: Vós bem sabeis como foi que me conduzi entre vós em todo o tempo, desde o primeiro dia em que entrei na Ásia,” (At 20.18).
Neste estudo, desenvolveremos o tema proposto, tratando das motivações, dos desdobramentos e consequências da dupla identidade, bem como das ações para se tratar tal comportamento.
Que motivações poderiam levar uma pessoa a viver identidades diferentes?
“Fiz-me fraco para com os fracos, com o fim de ganhar os fracos. Fiz-me tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos, salvar alguns.” (1Co 9.22)
Não me recordo de muitas santas e recomendáveis motivações para se viver e aparentar ser aquilo que não se é. Entretanto, veio à minha mente a expressão do apóstolo Paulo, no versículo acima, que usarei como exemplo positivo de “dupla identidade”, com a devida “licença teológica”. O que exatamente ele fez?
O que podemos fazer e até que limite, para viver uma outra identidade com o fim de ganhar almas para Cristo? A empatia, o colocar-se no lugar do outro, sempre será um excelente exercício para se buscar uma estratégia adequada de evangelismo.
É difícil aceitar que um crente justifique estar participando de alguns eventos ou práticas, mundanos, com o fim de ganhar alguém para Cristo. Não dá para imaginar um crente se drogando, para ganhar um drogado, percebe?
Há limite pra tudo! Às vezes não dá para ir muito longe com esta “identidade estratégica” pois seríamos compelidos a pecar contra Deus, o que não nos é lícito.
Às vezes esse nobre propósito pode ser o de salvar um reino, evitar uma tragédia gigantesca. Não consigo me imaginar fazendo o que Husai, amigo e conselheiro do rei Davi fez, quando Absalão se rebelou contra o rei, seu próprio pai, e pretendia matá-lo.
Reconheço, entretanto, que as circunstâncias extremamente graves demandaram dele tal procedimento. Em vez de fugir com Davi, abandonando o palácio real, por sugestão deste 2Sm 15.32-37 Husai retornou ao palácio e apresentou-se astutamente a Absalão com o fim de servi-lo e ao povo, obtendo êxito nessa sua primeira investida 2Sm 16.15-19.
Tendo ouvido que Aitofel, o conselheiro oficial de Absalão, havia dado um conselho que certamente provocaria a destruição de Davi e do povo que com ele estava, Husai apresentou-se, outra vez, a Absalão para confundi-lo, dando outro conselho que acabou prevalecendo. Assim, Husai salvou a Davi e provocou a derrota e morte de Absalão 2Sm 17.
“O julgamento é este: que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz; porque as suas obras eram más.” Jo 3.19
Jesus nunca alimentou falsas esperanças de que os de fora da igreja nos amariam e nos aceitariam como somos e com o que defendemos e praticamos, pelo contrário: “Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; como, todavia, não sois do mundo, pelo contrário, dele vos escolhi, por isso, o mundo vos odeia.” Jo 15.19.
Ainda que usando de mordaz ironia, com a intenção de confrontar a presunção dos coríntios, o apóstolo expressa uma dura e inevitável realidade: ”… até agora, temos chegado a ser considerados lixo do mundo, escória de todos.” 1Co 4.13b.
Se Jesus deu sua vida para nos libertar das práticas pecaminosas em que vivem os de fora da igreja, por que tanta preocupação de não ser rejeitado pelos tais? “o qual se entregou a si mesmo pelos nossos pecados, para nos desarraigar deste mundo perverso, segundo a vontade de nosso Deus e Pai,” Gl 1.4. Há um divisor de águas entre o viver cristão e o viver do não cristão.
Necessariamente, o seguir a Cristo, nos conecta a um padrão moral e ético nos termos daquele apresentado por Jesus no Sermão do Monte; nos faz ter usos e costumes diferenciados, nos faz repelir toda sorte de sincretismo.
Por isso, nesses novos tempos, evangelizar se tornou um tremendo desafio; pode ser visto como invasão de privacidade e, na empresa, descumprimento de código de ética.
Um tipo característico de dupla identidade é o que popularmente e em tom de brincadeira se apelida de “crente camaleão”. É interessante observar algumas das características dos camaleões, aplicando-as a esse tipo de crente:
a) Este réptil se adapta facilmente ao ambiente em que está, tendo a capacidade de mudar de cor e, assim, se camuflar. Tal crente se amolda facilmente ao ambiente da igreja, quando está na igreja, e ao mundanismo, quando fora da igreja.
b) Este réptil pode mover seus olhos em duas direções, ao mesmo tempo. Tal crente consegue direcionar seu olhar para o reino de Deus e para o mundanismo, ao mesmo tempo.
c) Este réptil tem uma língua muito grande e rápida no gatilho para pegar suas presas. Tal crente tem muita lábia para enganar as pessoas, desfazer amizades e destruir reputações.
d) Este réptil geralmente pode comer de tudo. Tal crente geralmente se alimenta de tudo que lhe é oferecido pela igreja e pelo mundo, sem a preocupação de distinguir o certo do errado, o que convém do que não convém.
Porém, também há esses tipos interessantes de crentes:
“Ocultar-se-ia alguém em esconderijos, de modo que eu não o veja? —diz o SENHOR; porventura, não encho eu os céus e a terra? —diz o SENHOR” Jr 23.24.
Podemos facilmente identificar pelo menos três causas:
Para muitos, a riqueza e tudo o que o dinheiro pode comprar é verdadeira fonte de felicidade, não importando se os meios de obtenção forem ilícitos.
Para outros, exercer poder sobre os outros, realizar os projetos da sua mente e vontade, deixando sua marca pessoal na história da humanidade é tudo o que importa na vida, a que custo for.
Para não poucos, não há nada mais importante do que dar vazão aos desejos carnais e sexuais ilícitos.
Essas coisas exercem um fascínio implacável sobre aqueles que não têm domínio sobre o pecado e farão qualquer coisa para obtê-las:
“Ao contrário, cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta o atrai e seduz. Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte.” Tg 1.14-15.
O problema do crente com dupla identidade é que ele pretende ganhar o céu, a salvação eterna, sem abrir mão dos seus pecados ocultos que, aparentemente podem lhe conferir certas vantagens ou prazeres. Foi o que aconteceu com Acã Josué 7 . Ele (e todo o povo) estava avisado da proibição divina quanto aos despojos de Jericó, mas achou que poderia dissimular, como se fosse possível esconder algo de Deus Js 6.17-19. A cobiça por riquezas ilícitas o atraiu e seduziu Js 7.21, levando-o à morte Js 7.25.
O verdadeiro crente, nascido de novo, tem no Senhor e não nas coisas efêmeras desta vida, a sua verdadeira fonte de prazer: “Porque nada temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele.” 1Tm 6.7
Ninguém peca por falta de aviso. Deus sempre deixa claro, através da sua Palavra e dos seus mensageiros, o que lhe agrada e o que não lhe agrada. Mesmo quando a voz de Deus não se manifestar de forma explícita, ele nos falará através da nossa consciência:
“Estes mostram a norma da lei gravada no seu coração, testemunhando-lhes também a consciência e os seus pensamentos, mutuamente acusando-se ou defendendo-se,” Rm 2.15.
O fato é que todos foram informados do que Deus havia determinado, inclusive Acã. O grande problema é o ser humano dar ouvidos à voz de Deus quando a sedução da cobiça berra em seus ouvidos.
Pecados ocultos trazem consequências desastrosas na vida do crente. Quebra a sua comunhão com Deus e provoca a sua ira. Afeta, inevitavelmente, a sua família, podendo desestruturá-la ou destruí-la.
Quando os membros da família tomam conhecimento e nada fazem, tornam-se coniventes ou cúmplices desse pecado oculto e assumem, coletivamente, o ônus das consequências de seus atos.
Há situações que também afetam a vida profissional do crente, podendo ocasionar problemas no rendimento do trabalho, nos relacionamentos, quebra de confiança e demissão.
Um pecou, porém, o texto bíblico afirma que todos prevaricaram:
“Prevaricaram os filhos de Israel nas coisas condenadas; porque Acã, filho de Carmi, filho de Zabdi, filho de Zera, da tribo de Judá, tomou das coisas condenadas. A ira do SENHOR se acendeu contra os filhos de Israel.” Js 7.1.
Uma laranja podre, espremida no suco, estraga todo o suco. A nossa conduta particular, fora do alcance da igreja, não é só problema nosso, quando pode afetar a relação de Deus com a sua igreja, isto é, no momento em que se torna transgressão a Deus. Assim, Deus se afasta, ficamos por nossa conta e a derrota é certa, como no caso de Israel, na guerra contra Ai.
– Falsa confiança Js 7.2-3
“Prevaricaram os filhos de Israel nas coisas condenadas; porque Acã, filho de Carmi, filho de Zabdi, filho de Zera, da tribo de Judá, tomou das coisas condenadas. A ira do SENHOR se acendeu contra os filhos de Israel.” Js 7.1.
– Decepção com Deus Js 7.7
– Humilhação diante do inimigo Js 7.8
– Temor e insegurança Js 7.9
A derrota na batalha contra Ai foi realmente inesperada e frustrante. Quantas vezes, grandes programações e projetos fracassam porque há pecado encoberto no nosso meio ou há confiança exagerada na capacidade humana?
Quantas vezes temos nos sentido no direito de argumentar com Deus sobre a falta de poder espiritual na nossa vida ou mesmo na igreja, quando a culpa está nessa dupla identidade que se alastra pelas igrejas?
Efetivamente o que ela não pode é se omitir! A restauração da comunhão exige providências:
“…já não serei convosco, se não eliminardes do vosso meio a coisa roubada.” Js 7.12b. Não é sem razão que as Escrituras enfatizam tanto a necessidade de se tratar aquele que está em pecado. O grande desafio é convencer, líderes e liderados, da relevância disso.
As muitas misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos e nos permitem o retorno à normalidade, isto é, a restauração da comunhão com Deus. Há três passos claramente indicados no texto Js 7.10-15:
a) Buscar e ouvir a voz de Deus Js 7.10-12
b) Buscar a santificação Js 7.13
c) Exercer a disciplina Js 7.14-15
A disciplina não é uma opção, é uma necessidade; quer na família, quer na igreja, quer em qualquer outra instituição da sociedade:
“Mas, quando julgados, somos disciplinados pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo.” 1Co 11.32.
É interessante a abordagem que considera a disciplina eclesiástica em três níveis: preventiva, corretiva e cirúrgica ablativa [2].
Esse terceiro nível – cirúrgica ablativa – foi o caso da disciplina aplicada a Acã, seus filhos, suas filhas, seus animais, sua tenda e tudo o que possuía. Eles foram apedrejados e, depois, tudo foi queimado, no vale de Acor Js 7.22-26.
A Lei Mosaica previa meios de perdão e restauração do transgressor. Entretanto, neste caso, a soberania divina determinou, de imediato, a sentença de morte. A família de Acã também foi punida, pois, provavelmente foi cúmplice de seu pecado Dt 24.16.
Em alguns casos narrados na bíblia, a punição divina pode parecer ser excessiva, mas tem a explícita intenção de ser exemplar, como neste caso ou no caso de Ananias e Safira, por exemplo.
Pode-se dizer que essa ideia de levar vantagem em tudo não é coisa tão recente assim, nem é marca registrada do povo brasileiro. Acã, no Antigo Testamento; e, Ananias e Safira, no Novo Testamento, são bons exemplos disso.
É sempre oportuno cada um avaliar como tem sido sua vida e suas práticas, dentro e fora da igreja. É preciso ser íntegro e inteiro, ter uma só cara, diante de Deus e diante dos homens!
Finalmente, podemos concluir que os efeitos do pecado em nossa vida hoje são tão maléficos como nos dias de Jericó. Quando o Espírito Santo é persistentemente ofendido, mostrará a sua tristeza, retirando primeiramente o seu poder e, depois, o seu testemunho. Se isso não for o suficiente para trazer de volta o crente inconstante, então é certo que virá o açoite da correção divina.
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[1] Fonte: Wikipédia
[2] CIRURGIA ABLATIVA: Tipo de cirurgia em que se remove parte, ou todo, do órgão afetado pelo câncer.
https://pauloraposocorreia.com.br/2017/08/02/dupla-identidade/
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