(SEGUNDA TÓPICA).
ROTEIRO.
1-Introdução.
2- Id ou Isso.
2.1-Definição.
2.2- Histórico.
3- Ego ou Eu.
3.1- Definição.
3.2- Histórico.
3.3- Ideal do Ego (Eu).
4- Superego ou Supereu.
4.1- Definição.
4.2- Histórico.
5- Bibliografia.
1-INTRODUÇÃO.
A representação “tópica” exposta no capítulo VII de “A interpretação dos sonhos” fixa a ordem de coexistência das diferentes regiões do aparelho psíquico, entre cujas extremidades – sensível e motora – se desenrolam os processos.
No entanto, em nota introduzida numa edição posterior, Freud ressalta a insuficiência do esquema anteriormente construído. “O desenvolvimento posterior deste esquema desdobrado linearmente”, escreve ele então, “deverá levar em conta esta suposição de que o sistema que sucede ao pré-consciente é aquele a que devemos atribuir a consciência”.
A primeira tópica foi inspirada pela análise do sonho e da histeria, será sucedida, após 1920, por uma segunda tópica, elaborada em resposta aos problemas da psicose, que abrange o id, o ego, e o superego. Da primeira, Freud dizia que tinha um valor descritivo, ao passo que na segunda reconhecemos um valor sistemático.
“Daremos o nome de inconsciente”, escrevia ele em 1900, “ao sistema situado mais atrás; ele não poderia ter acesso à consciência, a não ser passando pelo pré-consciente, e durante essa passagem o processo de excitação deverá se submeter a certas modificações”.
Insatisfeito com o “modelo topográfico”, porquanto esse não conseguia explicar muitos fenômenos psíquicos, em especial aqueles que emergiam na prática clínica, Freud vinha gradativamente elaborando uma nova concepção, até que, em 1920, mais precisamente a partir do importante trabalho metapsicológico “Além do princípio do prazer, ele estabeleceu de forma definitiva a sua clássica concepção do aparelho psíquico, conhecido como modelo estrutural (ou dinâmico), tendo em vista que a palavra “estrutura” significa um conjunto de elementos que separadamente tem funções específicas, porém que são indissociados entre si, interagem permanentemente e influenciam-se reciprocamente. Ou seja, diferentemente da Primeira Tópica, que sugere uma passividade, a Segunda Tópica é eminentemente ativa, dinâmica. Essa concepção estruturalista ficou cristalizada em “O ego e o id” de 1923 e consiste em uma divisão tripartite da mente em três instâncias: o id, o ego e o superego.
2- ID OU ISSO.
2.1- DEFINIÇÃO.
Este foi um termo introduzido por Georg Groddeck em 1923 e conceituado por Sigmund Freud no mesmo ano, a partir do pronome alemão neutro da terceira pessoa do singular (Es), para designar uma das três instâncias da segunda tópica freudiana, ao lado do ego (eu) e do superego (supereu). O id (isso) é concebido como um conjunto de conteúdos de natureza pulsional e de ordem inconsciente.
Uma das três instâncias diferenciadas por Freud na sua segunda teoria do aparelho psíquico. O id constitui o pólo pulsional da personalidade. Os seus conteúdos, expressão psíquica das pulsões, são inconscientes, por um lado hereditários e inatos e, por outro, recalcados e adquiridos.
Do ponto de vista “econômico”, o id é, para Freud, o reservatório inicial da energia psíquica. Do ponto de vista “dinâmico”, ele abriga e interage com as funções do ego e com os objetos, tanto os da realidade exterior, como aqueles que, introjetados, estão habitando o superego, com os quis quase sempre entra em conflito, porém, não raramente, o id estabelece alguma forma de aliança e conluio com o superego. Do ponto de vista “genérico”, são as suas diferenciações. Do ponto de vista “funcional”, ele é regido pelo princípio do prazer; logo pelo processo primário.
Do ponto de vista “topográfico”, o inconsciente, como instância psíquica, virtualmente coincide com o id, o qual é considerado o pólo psicobiológico da personalidade, fundamentalmente constituído pelas pulsões.
2.2- HISTÓRICO.
O termo das Es [isso, aquilo] é introduzido em O ego e o id (Das Ich und das Es, 1923). Freud vai busca-lo em Georg Groddeck e cita o precedente de Nietzsche, que designaria assim “... o que há de não pessoal e, por assim dizer, de necessário por natureza do nosso ser”.
A introdução do conceito de id (isso) por Freud na teoria psicanalítica está intrinsecamente ligada à grande reformulação dos anos de 1920-1923. Sabemos que esta se caracterizou pela modificação da teoria das pulsões, pela elaboração de uma nova psicologia do ego, que levava em conta suas funções inconscientes de defesa e recalque, e pela definição de uma nova tópica, na qual o id veio a ocupar o lugar que fora do inconsciente na tópica anterior.
Foi em seu ensaio “O ego e o id” que Freud introduziu o termo pela primeira vez, insistindo na solidez de fundamento da acepção definida por Groddeck: a de uma vivência passiva do indivíduo, confrontado com forças desconhecidas e impossíveis de dominar.
A primeira tópica era uma descrição cômoda dos processos psíquicos. Permitia distinguir entre o consciente e duas modalidades de inconsciente, o inconsciente propriamente dito, cujos conteúdos só raramente (ou nunca) podiam ser transformados em pensamentos conscientes, e o pré-consciente, feito de pensamentos latentes, passíveis de se tornar ou de voltar a se tornar conscientes.
Aos poucos, a partir de 1915, ao preço de lenta maturação fundamentada na experiência clínica, Freud chegou à conclusão de que grandes partes do ego e do superego eram inconscientes. Daí em diante, tornou-se impossível afirmar a existência de uma identidade entre o ego e o consciente, de um lado, e o recalcado e o inconsciente, de outro. Assim, foi preciso revisar por completo a concepção das relações consciente-inconsciente expressa pela primeira tópica. Daí a introdução do termo id para designar o inconsciente, considerado um reservatório pulsional desorganizado, assimilado a um verdadeiro caos, sede de “paixões indomadas” que, sem a intervenção do eu, seria um joguete de suas aspirações pulsionais e caminharia inelutavelmente para sua perdição.
Ao mesmo tempo, o ego perdeu sua autonomia pulsional, tornando-se o id a sede da pulsão de vida e da pulsão de morte. Diversamente de sua abordagem descritiva da primeira tópica, a abordagem dinâmica da segunda não instaurou nenhuma separação radical entre as instâncias que a compunham: os limites do id deixaram de ter a precisão dos que marcavem a separação entre o inconsciente e o sistema consciente-pré-consciente, e o ego deixou de ser estritamente diferenciado do id no qual o superego mergulha suas raízes.
No contexto da trigésima primeira das “Novas conferências introdutórias sobre psicanálise”, que versava sobre “A decomposição da personalidade psíquica”, Freud inaugurou uma reflexão sobre os respectivos futuros do ego e do id e sobre a missão que, sob esse ponto de vista, cabia à psicanálise. Nesse contexto, enunciou sua célebre frase “Wo Es war, soll Ich werden”, que daria margem a diversas leituras, por sua vez articulada com as modalidades de interpretação da segunda tópica. Uma primeira leitura, a da “Ego Psychology”, privilegiou o papel do eu, considerado como tendo que dominar o isso ao término de uma análise bem conduzida. Inversamente, Jacques Lacan forneceu da frase freudiana uma tradução baseada em sua teoria da linguagem. Enfatizou a emergência dos desejos inconscientes para os quais a análise deve abrir caminho, em oposição às defesas do ego, posição esta que ele recapitulou em 1967 por meio de uma formulação que se tornou famosa: “isso fala!”.
3- EGO OU EU.
3.1- DEFINIÇÃO.
É um termo empregado na filosofia e na psicologia para designar a pessoa humana como consciente de si e objeto do pensamento. Retomado por Sigmund Freud, esse termo designou, num primeiro momento, a sede da consciência. O ego (eu) foi então delimitado num sistema chamado primeira tópica, que abrangia o consciente, o pré-consciente e inconsciente.
A partir de 1920, o termo mudou de estatuto, sendo conceituado por Freud como uma instância psíquica, no contexto de uma segunda tópica que abrangia outras duas instâncias: o superego e o id. O ego tornou-se então, em grande parte, inconsciente.
Essa segunda tópica (id, ego, superego) deu origem a três leituras divergentes da doutrina freudiana: a primeira destaca um eu concebido como um pólo de defesa ou de adaptação à realidade (Ego Psychology, annafreudismo); a segunda mergulha o ego no id, divide-o num ego (eu) [moi] e num Ego (Eu) [je] –sujeito, este determinado por um significante (lacanismo); e a terceira inclui o ego numa fenomenologia do si mesmo ou da relação de objeto (Self Psychology, kleinismo).
Do ponto de vista tópico, o ego está numa relação de dependência tanto para com as reivindicações do id, como para com os imperativos do superego e exigências da realidade. Embora se situe como mediador, encarregado dos interesses da totalidade da pessoa, a sua autonomia é apenas relativa.
Do ponto de vista dinâmico, o ego representa eminentemente, no conflito neurótico, o pólo defensivo da personalidade; põe em jogo uma série de mecanismos de defesa, estes motivados pela percepção de um afeto desagradável (sinal de angústia).
Do ponto de vista econômico, o ego surge como um fator de ligação dos processos psíquicos; mas, nas operações defensivas, as tentativas de ligação da energia pulsional são contaminadas pelas características que especificam o processo primário: assumem um aspecto compulsivo, repetitivo, desreal.
A teoria psicanalítica procura explicar a gênese do ego em dois registros relativamente heterogêneos, quer vendo nele um aparelho adaptativo, diferenciado a partir do id em contato com a realidade exterior, quer definindo-o como o produto de identificações que levam à formação no seio da pessoa de um objeto de amor investido pelo id.
Relativamente à primeira teoria do aparelho psíquico, o ego é mais vasto do que o sistema pré-consciente-consciente, na medida em que as suas operações defensivas são em grande parte inconscientes.
Freud descreveu o ego como uma parte do id, que por influência do mundo exterior, ter-se-ia diferenciado. No id reina o princípio de prazer. Ora, o ser humano é um animal social e, se quiser viver com seus congêneres, não pode se instalar nessa espécie de nirvana, que é o princípio de prazer, ponto de menor tensão, assim como lhe é impossível deixar que as pulsões se exprimam em estado puro.
De fato, o mundo exterior impõe à criança pequenas proibições que provocam o recalcamento e a transformação das pulsões, na busca de uma satisfação substitutiva que irá provocar no eu, por sua vez, um sentimento de desprazer. O princípio de realidade substitui o princípio de prazer. O eu se apresenta como uma espécie de tampão entre os conflitos e clivagens do aparelho psíquico, ao mesmo tempo que tenta desempenhar o papel de uma espécie de pára-excitação, em face das agressões do mundo exterior.
3.2- HISTÓRICO.
Na medida em que existem em Freud duas teorias tópicas do aparelho psíquico, a primeira das quais faz intervir os sistemas inconscientes, pré-consciente, consciente e a segunda as três instâncias id, ego e superego, é corrente em psicanálise admitir que a noção de ego só se teria revestido de um sentido estritamente psicanalítico, técnico, após aquilo a que se chamou a “virada” de 1920.
Freud utiliza a noção de ego desde os primeiros trabalhos e é interessante ver destacarem-se dos textos do período de 1894-1900 certos temas e problemas que se reencontrarão ulteriormente.
Foi a experiência clínica das neuroses que levou Freud a transformar radicalmente a concepção tradicional do ego. A psicologia e, sobretudo a psicopatologia leva, por volta dos anos 1880, pelos estudos das “alterações e desdobramentos da personalidade”, dos “estatutos segundos”, etc., a desmantelar a noção de um ego uno e permanente.
Henri F. Ellenberg dá mostras de excessiva severidade ao escrever, a propósito da segunda tópica freudiana, que “o ego (eu) não passa de um antigo conceito filosófico, vestido numa nova roupagem psicológica”. Sem dúvida, Freud foi tão pouco inventor do termo “eu” quanto criador dos termos inconsciente e consciente. A idéia do ego, muitas vezes sinônima da de consciência, de fato está presente nas obras da maioria dos grandes filósofos, sobretudo os alemães, desde meados do século XVIII. E, ante a constatação das experiências das experiências mesmerianas, Wilhelm von Schelling (1775-1854) e Johann Gottlieb Fichte (1762-1814) relativizaram a importância do eu em sua concepção do funcionamento mental. Essas referências filosóficas constituem o pano de fundo contra o qual se desenvolveram as primeiras etapas de uma psiquiatria dinâmica que procurava desvincular-se das concepções organicistas do funcionamento do espírito humano.
Assim, podemos considerar que Wilhelm Griesinger (1817-1869), inspirador de Theodor Meynert, foi um dos ancestrais de Freu. Nomeado diretor, em 1860, do novíssimo hospital psiquiátrico de Zurique, o Burghölzli, Griesinger foi um dos primeiros psiquiatras a afirmar que a maioria dos processos psicológicos decorria de uma atividade inconsciente. Ele elaborou uma psicologia do eu cujas distorções são tidas como resultantes do conflito que opõe esse eu a representações que ele não consegue assimilar.
Meynert, cujas aulas Freud acompanhou em 1883, formulou, por sua vez, uma concepção dual do ego, fazendo uma distinção entre o ego primário, parte inconsciente da vida mental que tem sua origem na infância, e o ego secundário, ligado à percepção consciente.
Encontramos a marca desse ensino na primeira grande elaboração teórica de Freud, seu “Projeto para uma psicologia científica”. Desde esse momento, o ego se inscreve na trama da análise do conflito psíquico. Assim, nessa primeira síntese teórica, evocando o conflito entra a “atração provocada pelo desejo” e a tendência ao recalcamento, cujo teatro é o sistema neuronal concernido nas excitações endógenas, Freud discerne a existência de uma “instância” cuja presença entrava a passagem das quantidades energéticas, quando esse fluxo é acompanhado de sofrimento ou de satisfação. “Essa instância”, diz Freud, “chama-se o ego (eu)”. Esse ego tem um modo duplo de funcionamento: esforça-se por se livrar dos investimentos dos quais é objeto, procurando a satisfação, e tenta por meio do processo que Freud denomina de inibição, evitar a repetição de experiências dolorosas.
A reformulação que começou a se efetuar com a introdução do conceito de narcisismo, em 1914, contribuiu para conferir ao ego um lugar de primeiro plano. Em seguida aos trabalhos de Karl Abraham, o estudo das psicoses permitiu estabelecer que o ego podia ser sede de um investimento libidinal, como qualquer objeto externo. Surgiu assim uma libido do ego, oposta à libido objetal, com Freud enunciando a hipótese de um movimento de balança entre as duas. A partir daí, o eu deixou de ter apenas o papel de mediador perante a realidade externa, sendo também objeto de amor e se tornando, em virtude da distinção entre narcisismo primário – que se pressupõe a existência de uma libido no ego – e narcisismo secundário, um reservatório de libido.
Depois de Freud, o ego, sua concepção e as funções de que ele é supostamente a sede iriam constituir um desafio teórico e político a partir do qual se instituiria correntes contraditórias nos movimento psicanalítico.
Assim se formaram duas correntes, destinadas a se tornar dominantes na psicanálise norte-americana: o “annafreudismo” e a “Ego Psychology”, em torno de Anna Freud, por um lado, e de “Heinz Hartmann”, por outro, para privilegiar o ego e seus mecanismos de defesa, em detrimento do id, do inconsciente e do sujeito. Dessa maneira, elas contribuíram para fazer da psicanálise uma terapia da adaptação do eu à realidade.
Em reação a essa normalização, Heinz Kohut retomou o conceito de self (o si mesmo), introduzido em 1950 por Hartmann, para assinalar uma distinção em relação ao ego, e elaborou uma teoria do aparelho psíquico em que o self se tornou uma instância particular, que permite explicar os ataques narcísicos.
Outras correntes, como o kleinismo e o lacanismo, adotam uma orientação radicalmente oposta, na perspectiva de um “retorno ao inconsciente”, seguindo caminhos que por outro lado, são bem distintos entre si.
Se Melanie Klein enfatiza a fase pré-edipiana do desenvolvimento psíquico, consagrando sua atenção ao estudo das relações arcaicas mãe-filho e a seu conteúdo pulsional negativo, o procedimento de Jacques Lacan volta-se desde logo para a análise das condições de emergência de um sujeito do inconsciente, apanhado, em sua origem, na armadilha do ego (eu), que é constitutivo do registro do imaginário, este conclamado, desde 1953, a se tornar uma das instâncias da tópica lacaniana, ao lado do real e do simbólico.
Para Lacan, o eu (ego) se distingue, como núcleo da instância imaginária, na fase chamada de estádio do espelho. A criança se reconhece em sua própria imagem, caucionada nesse movimento pela presença e pelo olhar do outro (a mãe ou um substituto) que a identifica, que a reconhece simultaneamente nessa imagem. Nesse instante, porém, o Eu (ego) [je] – sujeito - é como que captado por esse eu (ego) [moi] imaginário: de fato, o sujeito, que não sabe o que é, acredita ser aquele eu (ego) [moi] a quem vê no espelho. Trata-se de um engodo, é claro, já que o discurso desse eu [moi] é um discurso consciente, que faz “semblante” de ser o único discurso possível do indivíduo, enquanto existe, como que nas entrelinhas, o discurso não controlável do sujeito do inconsciente.
Consideradas essas bases, podemos compreender a interpretação lacaniana da célebre frase de Freud nas “Novas conferências introdutórias sobre psicanálise”: “Wo Es war, soll Ich werden”. Lacan traduz essa frase da seguinte maneira: “Ali onde isso (id) era, eu (ego) devo advir”. Para ele, trata-se de mostrar que o ego não pode surgir no lugar do id, mas que o sujeito (je) deve estar ali onde se encontra o id, determinado por ele, pelo significante.
Segundo Lacan, pode-se acrescentar que a criança se banha em um mundo de linguagem, que veicula as proibições e que é somente porque o ser humano é um ser falante que se instaura o recalcamento e, por meio dele, a divisão do sujeito. A barra que dessa forma vai toca-lo proíbe-lhe o acesso à verdade de seu desejo.
3.3- IDEAL DO EGO (EU).
Essa subestrutura (idealich no original alemão) está diretamente conectada com o conceito, mas genérico, de superego. Resulta dos ideais do próprio ego ideal da criança, os quais, altamente idealizados, são projetados nos pais, onde se somam aos originais mandamentos provindos do ego ideal de cada um deles, de modo que o ideal do ego pode ser considerado “um herdeiro direto do ego ideal”. Dessa forma, o sujeito fica submetido às aspirações dos outros, em relação ao que ele deve ser e ter. Daí resulta que seu estado mental prevalente é o de um permanente sobressalto e o fácil acometimento do sentimento de vergonha, quando não consegue corresponder às expectativas dos outros, que passam a ser também suas.
Isso pode ser exemplificado, com uma afirmação que Freud faz em “Sobre o narcisismo: uma introdução” em 1914, onde diz que o fanatismo, a hipnose ou o estado amoroso representam três casos nos quais um objeto exterior, respectivamente: o chefe, o hipnotizador e a pessoa amada vão ocupar o lugar do ideal do ego no próprio ponto onde o sujeito projeta seu ego ideal.
4- SUPEREGO OU SUPEREU.
4.1- DEFINIÇÃO.
É uma das instâncias da personalidade tal como Freud a descreveu no quadro da sua segunda teoria do aparelho psíquico: o seu papel é assimilável ao de um juiz ou de um censor relativamente ao ego. Freud vê na consciência moral, na auto-observação, na formação de ideais, funções do superego.
Classicamente, o superego é definido como herdeiro do complexo de Édipo; constitui-se por interiorização das exigências e das interdições parentais. Certos psicanalistas recuam para mais cedo a formação do superego, vendo esta instância em ação desde as fases pré-edipianas (Melanie Klein) ou pelo menos procurando comportamentos e mecanismos psicológicos muito precoces que seriam precursores do superego (Glover, Spitz, por exemplo).
4.2- HISTÓRICO.
O termo Über-Ich foi introduzido por Freud em O ego e o id (Das Ich und das Es, 1923). Mostra a função crítica assim designada constitui uma instância que se separou do ego e que parece dominá-lo, como demonstram os estados de luto patológico ou de melancolia em que o sujeito se vê criticar e depreciar.
Em seu texto de 1924 sobre a economia do masoquismo, Freud declarou: “O imperativo categórico de Kante é herdeiro direto do complexo de Édipo”. Seria impossível situar melhor o conceito de superego, que apareceu em 1923, em “O ego e o id”. Ele foi o produto de uma longa elaboração, iniciada em 1914 no artigo “Sobre o narcisismo: uma introdução”. Freud construiu então a noção de ideal, substituto do narcisismo infantil e que seria, supostamente, o instrumento de medida utilizado pelo ego para observar a si mesmo.
Foi em 1933, na trigésima primeira conferência de introdução à psicanálise, que, depois de haver apresentado a instância do superego (particularmente em “O mal-estar na cultura”) como um censor, por delegação das instâncias sociais, junto ao ego, Freud forneceu o quadro exaustivo da formação do superego e de suas funções.
Essa formação é correlata do apagamento da estrutura edipiana. Num primeiro tempo, o superego é representado pela autoridade parental que dá ritmo à evolução infantil, alternando as provas de amor com as punições, geradoras de angústia. Num segundo tempo, quando a criança renuncia à satisfação edipiana, as proibições externas são internalizadas. Esse é o momento em que o superego vem substituir a instância parental por intermédio de uma identificação. Se Freud distinguiu bem o processo de identificação do processo de escolha do objeto, ele se revelou insatisfeito, entretanto, com sua explicação, e manteve a idéia de uma instituição do superego “como um caso bem-sucedido de identificação com a instância parental”.
Na medida em que o supereu é concebido como herdeiro da instância parental e do Édipo, como o “representante das exigências éticas do homem”, seu desenvolvimento é distinto no menino e na menina. Enquanto, no menino, o superego se reveste de um caráter rigoroso, às vezes feroz, que resulta da ameaça de castração vivida durante o período edipiano, na menina o percurso é diferente: o complexo de castração instala-se muito antes do Édipo. O supereu feminino, por conseguinte, seria menos opressivo e menos implacável.
Freud sublinhou também que o superego não se constrói segundo o modelo dos pais, mas segundo o que é constituído pelo superego deles. A transmissão dos valores e das tradições perpetua-se, dessa maneira, por intermédio dos superegos, de uma geração para outra. O superego é particularmente importante no exercício das funções educativas. Quanto a esse aspecto, portanto, Freud censurou as “chamadas concepções materialistas da história”, por ignorarem a dimensão do superego, veículo da cultura em seus diversos aspectos, em prol de uma explicação fundamentada unicamente na determinação econômica.
A concepção freudiana do supereu não obteve unanimidade entre os psicanalistas. Em 1925, Sandor Ferenczi insistiu na internalização de certas proibições muito antes da dissolução do Édipo, em particular aquelas que dizem respeito à educação esfincteriana: “A identificação anal e uretral com os pais, que já apontamos antes, parece constituir uma espécie de precursora fisiológica do Ideal do ego ou do Superego no psiquismo da criança”.
Melanie Klein situou as “primeiras fases do superego” no momento das “primeiras identificações da criança”, quando, muito pequena, ela “começa a introjetar seus objetos”; o medo que ela sente em decorrência disso determina processos de rejeição e projeção cuja interação parece ter “uma importância fundamental, não somente para a formação do superego, mas também para relações com as pessoas e a adaptação à realidade”.
Na obra de Jacques Lacan, o conceito de superego é objeto de múltiplas elaborações, relacionadas com a teorização do par supereu/ideal do eu. Nessa perspectiva, o supereu continua dominante, mas, diferentemente de Freud, Lacan o concebe como a inscrição arcaica de uma imagem materna onipotente, que marca o fracasso ou o limite do processo de simbolização. Nessas condições, o supereu encarna a falha da função paterna e esta, por conseguinte, é situada do lado do ideal do eu.
5-BIBLIOGRAFIA.
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ZIMERMAN, DAVID E. – Fundamentos Psicanalíticos, Artmed, RS-1999.
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