Religião, espiritualidade e transtornos psicóticos
Harold G. Koenig
Professor of Psychiatry and Behavioral Sciences. Associate Professor of Medicine. Duke University Medical Center. Geriatric Research, Education and Clinic Center. Durham VA Medical Center
RESUMO
CONTEXTO: A religião é freqüentemente incluída nas crenças e experiências de pacientes psicóticos, tornando-se, assim, alvo de intervenções psiquiátricas.
OBJETIVOS: Este artigo, primeiramente, examina a prevalência de crenças e atividades religiosas entre pessoas não-psicóticas nos Estados Unidos, Brasil e em outras áreas do mundo. Segundo, discute os fatores históricos que têm contribuído para a barreira que separa religião de psiquiatria na atualidade. Terceiro, revisa os estudos sobre a prevalência de delírios religiosos em pacientes com esquizofrenia, transtorno bipolar e outros transtornos mentais graves, discutindo como os clínicos podem distinguir o envolvimento religioso patológico do não-patológico. Quarto, explora a possibilidade de que pessoas com doença mental grave usem práticas e crenças religiosas não-patológicas para lidar com seus transtornos mentais. Quinto, examina os efeitos do envolvimento religioso no curso da doença, das exacerbações psicóticas e das hospitalizações. Finalmente, este artigo descreve intervenções religiosas ou espirituais que possam auxiliar no tratamento.
MÉTODOS: Revisão da literatura.
RESULTADOS: Enquanto cerca de um terço das psicoses têm conteúdo religioso, nem todas as experiências religiosas são psicóticas. Na realidade, elas podem ter efeitos positivos no curso de doenças mentais graves, levando os clínicos a terem de decidir se devem tratar as crenças religiosas e desencorajar as experiências religiosas ou se devem apoiá-las.
CONCLUSÃO: Clínicos devem compreender os papéis positivos e negativos que a religião desempenha nos pacientes com transtornos psicóticos.
Palavras-chave: Religião, psicose, enfrentamento.
Com freqüência, os psiquiatras tratam pacientes com transtornos psicóticos que são religiosos ou possuem alguma forma de espiritualidade. A maioria dos psiquiatras e outros profissionais de saúde mental, cientificamente treinados, acredita em uma visão de mundo secular, científica. Sigmund Freud acreditava que a religião causava sintomas neuróticos e, possivelmente, até mesmo sintomas psicóticos. Em Futuro de uma Ilusão, Freud (1962) escreveu: "Religião seria assim a neurose obsessiva universal da humanidade... A ser correta essa conceituação, o afastamento da religião está fadado a ocorrer com a fatal inevitabilidade de um processo de crescimento Se, por um lado, a religião traz consigo restrições obsessivas, exatamente como, em um indivíduo, faz a neurose obsessiva, por outro, ela abrange um sistema de ilusões plenas de desejo com um repúdio da realidade, tal como não encontramos, em forma isolada, em parte alguma senão na amência, em um estado de confusão alucinatória beatífica ".
Assim, Freud pensava que as crenças religiosas tinham suas raízes em fantasia e ilusão e poderiam ser responsáveis pelo desenvolvimento de psicoses (embora nunca tenha atribuído diretamente a causa da psicose à religião, apenas à neurose). Esta visão negativa de religião no campo da saúde mental permaneceu até os tempos modernos por meio das obras de Ellis (1988) e Watters (1992), que enfatizaram a natureza irracional das crenças religiosas e o seu potencial malefício. As crenças religiosas pessoais de psiquiatras e psicólogos (especialmente quando comparados com as da população em geral) refletiam igualmente as visões secular e, geralmente, negativa da religião, que são prevalentes nessas profissões (Neeleman e King, 1993; Curlin et al.2005). Durante anos, as pessoas religiosas foram retratadas exemplos de doenças psiquiátricas em manuais de diagnóstico (antes do DSM-IV) (Larson et al., 1993). Porém, esta perspectiva negativa relativa à religião não se baseava em pesquisas sistemáticas nem em cuidadosas observações objetivas, mas sim nas opiniões pessoais e experiências clínicas de pessoas poderosas e influentes dentro da academia psiquiátrica que tiveram pouca experiência com religiosidade saudável.
Da mesma maneira que os profissionais de saúde mental não têm valorizado o papel da religião nas vidas das pessoas, com e sem doença mental, as comunidades religiosas também têm desenvolvido atitudes negativas em relação aos psicólogos e psiquiatras que são vistos, freqüentemente, como inúteis, ou ameaçando as convicções profundamente arraigadas que são centrais à sua visão de mundo. Na realidade, este conflito tem levado a muitos processos legais nos Estados Unidos, cujas comunidades religiosas não encaminhavam seus membros portadores de doenças mentais graves para cuidado psiquiátrico, acarretando resultados devastadores (Whitley, 2006). Os dois lados estão equivocados aqui, não apenas as comunidades religiosas, já que ambos têm contribuído para separar as práticas de cura de religiosos das comunidades de saúde mental.
Nos últimos 20 anos, prestou-se maior atenção ao estudo científico da religião e sua relação com a saúde e a doença mentais. Embora haja muito trabalho ainda a se fazer, evidências têm-se acumulado para que se possa ter respostas mais objetivas às perguntas, tais como: qual a relação entre religião, espiritualidade e psicose? Pessoas psicóticas são mais religiosas? A religião conduz à psicose? A psicose conduz a religião? A conversão religiosa pode precipitar a psicose? A psicose pode precipitar a conversão religiosa? Qual a freqüência dos delírios religiosos entre aqueles que são psicóticos? Como diferenciar experiências religiosas ou espirituais "normais" de sintomas psicóticos? Qual o efeito do envolvimento religioso no curso e evolução dos transtornos psicóticos? Que efeito tem a psicose nas crenças espirituais ou religiosas das pessoas? Estas são perguntas importantes que apenas agora começam a ser respondidas por pesquisas sistemáticas.
Crença e comportamento religioso: qual a freqüência?
Para entender a relação entre religião, espiritualidade e psicose patológica, primeiramente é importante apreciar qual a freqüência do envolvimento religioso entre pessoas "normais" que vivem nas Américas do Norte e do Sul.
Por exemplo, nos Estados Unidos (EUA), a última pesquisa Gallup (8 a 11 de maio de 2006) constatou que 73% estão "convencidos de que Deus existe" e outros 19% dizem que Deus "provavelmente existe"; em contraste, 3% estão convencidos de que Deus não existe e 4% que Deus provavelmente não existe, mas não estão certos disso (Newport, 2006a). O mais interessante é que as pessoas jovens (18 a 29 anos de idade) são as que têm maior probabilidade de dizer que estão convencidas de que Deus existe ou provavelmente existe. Aqueles com maior escolaridade e maior renda são, porém, os que têm menor probabilidade de acreditar em Deus. A mesma pesquisa constatou que 77% das pessoas no EUA acreditam que a Bíblia é a palavra real de Deus (28%) ou a palavra inspirada de Deus (49%) (Newport, 2006b). As pessoas mais velhas, com menor escolaridade, ou os sulistas do EUA tinham maior probabilidade de acreditar na origem divina da Bíblia.
Em termos de comportamentos religiosos, com base em 11.050 entrevistas administradas entre 2002 e 2005, as pesquisas Gallup apontaram que 45% das pessoas nos EUA participam de atividades religiosas semanalmente ou quase toda semana (Newport, 2006c). Os adultos mais velhos participam mais que os adultos mais jovens, assim como as mulheres mais que os homens. Com relação à oração, pesquisas Gallup desde os anos de 1930 têm mostrado que nove entre 10 pessoas nos Estados Unidos rezam, 84% comprometidas com as orações de conversação, 52% com orações meditativas (pensando silenciosamente em Deus, tentando escutar Deus), 42% com orações petitórias (pedindo algo a Deus) e 19% com orações ritualizadas (leituras de um livro de orações ou recitando orações memorizadas) (Gallup, 2003).
E a América do Sul? Embora não exista nenhuma pesquisa Gallup detalhada para comparar os dados, a Organização Mundial da Saúde investigou 5.087 pessoas em 18 países, entre elas, 225 na Argentina, 493 no Brasil (Porto Alegre e Santa Maria) e 251 no Uruguai (Saxena, 2006). Entre os países cristãos fora da África, o Brasil teve a maior porcentagem de entrevistados que indicaram ser eles "moderadamente" ou "extremamente" religiosos (80% a 90%), semelhante, se não superior, ao envolvimento religioso descrito anteriormente nos Estados Unidos. Assim, os americanos "normais" – tanto do norte quanto do sul – são freqüentemente muito religiosos.
Além disso, há evidências mostrando que as pessoas se tornam ainda mais religiosas quando estão doentes, tanto física como mentalmente. Em situações de alto estresse psicológico, a religião é freqüentemente usada para auxiliar a lidar com ou se adaptar a situações de sofrimento. As pessoas imploram a ajuda de Deus; elas rezam; realizam rituais religiosos; ou buscam conforto e apoio de membros de suas comunidades religiosas. Por exemplo, 90% das pessoas nos Estados Unidos buscaram a religião como um modo de lidar com os ataques terroristas ocorridos em 11 de setembro em Nova York (Schuster et al., 2001). Assim, não é surpreendente que pessoas na América que sejam psicóticas e portadoras de doenças mentais graves e persistentes (i.e., condições altamente estressantes) possam também ser bastante religiosas.
No decorrer deste artigo, examinarei como as crenças, práticas e experiências religiosas influenciam a apresentação clínica, avaliação, curso e evolução de transtornos mentais com psicose. Primeiro, revisarei a pesquisa que descreve a apresentação e a prevalência de delírios religiosos, a prevalência de crenças, experiências e práticas religiosas "normais" em pessoas psicóticas e a relação entre conversão religiosa e psicose. Segundo, discutirei questões relacionadas ao diagnóstico de psicose em pessoas religiosas, buscando distinguir as crenças e práticas religiosas culturalmente normativas dos sintomas psicóticos. Terceiro, examinarei o uso da religião por pessoas com doenças mentais graves para lidar com as suas condições psíquicas e explorar como práticas e crenças religiosas psicóticas e não-psicóticas influenciam a evolução e o curso dos transtornos mentais com psicose. Finalmente, discutirei as intervenções espirituais que possam facilitar o tratamento de pessoas com doença mental grave com psicose.
Delírios religiosos
Qual é a freqüência de delírios religiosos entre portadores de transtornos psicóticos? As taxas de prevalência dependem do transtorno psicótico respectivo e do local no mundo onde vivem essas pessoas. Em áreas menos religiosas do mundo, um estudo mostrou, por exemplo, que só 7% de 324 pacientes japoneses internados tiveram delírios de perseguição e religiosos de culpa (Tateyama et al., 1998). Esta taxa é semelhante à de um estudo de âmbito nacional de pacientes hospitalizados com esquizofrenia no Japão que envolveu 429 pacientes cuja prevalência de delírios religiosos foi de 11% (Kitamura et al., 1998).
Nos Estados Unidos, vários estudos examinaram delírios religiosos em pacientes com esquizofrenia ou transtornos bipolar. O primeiro desses resultados oriundo de um estudo pequeno de 41 pacientes psicóticos em Nova York verificou que 39% dos pacientes com esquizofrenia e 22% daqueles com mania tinham delírios religiosos (Cothran e Harvey, 1986). Um estudo muito maior de 1.136 pacientes psiquiátricos internados nos Estados Unidos (do meio-oeste e do leste) destacou que 25% dos pacientes com esquizofrenia e 15% dos portadores de transtorno bipolar tinham delírios religiosos (Appelbaum et al., 1999). Comparados a outros delírios, delírios religiosos parecem ser aceitos com maior convicção que outros delírios. Finalmente, Getz et al. (2001) compararam a freqüência de delírios religiosos entre as denominações religiosas em 133 pacientes internados (74% de esquizofrenia) no Centro Médico da Universidade de Cincinnati. Foram documentados delírios religiosos em 24% dos 33 pacientes não-religiosos, 43% de 71 pacientes protestantes e 21% de 29 pacientes católicos.
Na Europa e Grã-Bretanha, um estudo com 251 pacientes internados com esquizofrenia na Áustria e Alemanha verificou taxa de prevalência de 21% para delírios religiosos (Tateyama et al., 1998). Um dos estudos mais detalhados até o momento na Grã-Bretanha detectou que 24% de 193 pacientes com esquizofrenia tinham delírios religiosos (Siddle et al., 2002a). Os pacientes com delírios religiosos tinham mais alucinações graves e delírios bizarros, maior nível de incapacitação, duração mais longa da doença e estavam tomando mais medicamentos antipsicóticos que outros pacientes. Assim, em estudos de pacientes com esquizofrenia, delírios religiosos estão presentes em 7% a 11% de pacientes japoneses, 21% a 24% de pacientes europeus ocidentais e 21% a 43% de pacientes nos Estados Unidos.
Poucos estudos têm examinado delírios religiosos entre pacientes psiquiátricos no Brasil. Mucci e Dalgalarrondo (2000) relataram uma série de enucleações oculares em seis casos de pacientes psiquiátricos, cinco unilaterais e uma bilateral. Delírios religiosos foram um fator significativo em muitos desses casos, com pacientes agindo como nos diz Mateus (5:29): "Se o teu olho direito te escandalizar, arranca-o e atira-o para longe de ti, pois te é melhor que se perca um dos teus membros do que seja todo o teu corpo lançado no inferno". Esses pacientes tiveram freqüentemente exacerbação aguda de esquizofrenia, e a enucleação auto-infligida ocorreu muitos anos após o início da doença. Esses seis casos foram vistos ao longo do período de 10 anos em um hospital universitário brasileiro.
No único estudo sistemático de pacientes psiquiátricos no Brasil, os pesquisadores examinaram 200 admissões consecutivas a um hospital psiquiátrico geral (Dantas et al., 1999). Para identificar o conteúdo religioso, um item foi acrescentado à forma expandida da BPRS. Foram incluídos os pacientes com diagnóstico psiquiátrico, não apenas aqueles com transtornos psiquiátricos. Os pesquisadores informam que 15,7% de todos os pacientes tiveram de moderados a intensos sintomas de conteúdo religioso. Uma correlação forte foi achada entre sintomas maníacos e experiências religiosas.
Qual é a origem dos delírios religiosos? Delírios religiosos existem em um continuum entre as crenças normais de indivíduos saudáveis e as crenças fantásticas de pacientes psicóticos. Em pacientes psicóticos, delírios religiosos são habitualmente acompanhados por outros sintomas e/ou comportamentos de doença mental, e não parecem ter nenhuma função positiva (Siddle et al., 2002a). Sabe-se que pessoas com sintomas psicóticos têm maior ativação do hemisfério direito do cérebro, o que também se verifica em pessoas saudáveis que tenham experiências místicas ou crenças paranormais (Lohr e Caligiuri, 1997; Pizzagalli et al., 2000; Makarec e Persinger, 1985). Contudo, a tentativa de localizar a origem dos delírios religiosos no cérebro não tem revelado resultados consistentes com os achados de neuroimagem descritos anteriormente. O único estudo realizado até o momento sugeriu que delírios religiosos sejam o resultado de uma combinação de hiperatividade do lobo temporal esquerdo e hipoatividade do lobo occipital esquerdo (Puri et al., 2001). Assim, até que mais pesquisas sejam realizadas, a origem neuroanatômica dos delírios permanece incerta.
Envolvimento religioso não-psicótico
Em que medidas pessoas com doença mental persistente e grave estão envolvidas em atividades religiosas não-psicóticas? Estas são mais prevalentes naquelas com doença mental grave que em populações saudáveis, normais? Vários estudos proporcionam informações a esse respeito.
Em um estudo de 41 pacientes com esquizofrenia em Nova York, os pesquisadores relataram que os pacientes com delírios religiosos eram, de modo geral, mais religioso que os pacientes não-delirantes e pessoas sem doença mental (Cothran e Harvey, 1986). Um segundo estudo de 131 pacientes em Cincinnati, Ohio, constatou que a freqüência de envolvimento em atividades religiosas comunitárias (como ir à igreja, participar de grupos na igreja e grupos de estudo religiosos) associava-se a maiores taxas de delírios religiosos (r = 0,27, p < 0,01) (Getz et al., 2001). Um fato obscuro nesse estudo, como na maioria deles, é como os investigadores distinguiram atividade religiosa "normal" de delírios religiosos ou outras expressões patológicas de atividade religiosa.
Estudos na Grã-Bretanha também verificaram consistente associação entre envolvimento religioso e sintomas psicóticos. Neeleman e Lewis (1994) comparam práticas religiosas, crenças, atitudes e experiências de 21 pacientes ambulatoriais com esquizofrenia crônica, 52 pacientes ambulatoriais psiquiátricos não-psicóticos e 26 controles normais com problemas de saúde física, em Londres. Os pacientes com esquizofrenia relataram mais experiências e atitudes religiosas, mas não práticas religiosas, comparando os pacientes com doenças psiquiátrica e clínica. Feldman e Rust (1989) também verificaram relação positiva entre religiosidade e pensamento esquizotípico em uma amostra de 67 pacientes com esquizofrenia comparados com 140 controles normais em Londres.
Algumas das melhores e mais detalhadas informações sobre esquizofrenia e envolvimento religioso vêm do trabalho de Siddle et al., do North Manchester General Hospital, na Grã-Bretanha. Esses investigadores relataram correlação positiva entre delírios religiosos e atividade religiosa em 193 pacientes internados com esquizofrenia. Pacientes com delírios religiosos pontuaram significativamente mais religiosidade e ortodoxia doutrinal que aqueles sem delírios religiosos. Além disso, durante a hospitalização e tratamento em média de um mês, Siddle et al. (2002b) relataram que a religiosidade de pacientes diminuiu significativamente, embora o declínio tenha sido relativamente pequeno. Esses investigadores reconheceram a dificuldade de distinguir expressões psicóticas de envolvimento religioso de expressões não-psicóticas.
Religião, conversão e sintomas psicóticos
Vários estudos têm constatado que o envolvimento em novos movimentos religiosos pode ser tanto a causa como o resultado de traços ou sintomas psicotiformes. Por exemplo, uma pesquisa comparou a força da crença religiosa entre 121 não-psicóticos e 88 pacientes psicóticos hospitalizados em uma clínica psiquiátrica em Illinois (Armstrong et al., 1962). Entre os pacientes católicos e protestantes, os não-psicóticos tiveram crenças religiosas mais intensas que os psicóticos, mas o oposto foi verdadeiro para pacientes adeptos ao unitarianismo. Um segundo estudo comparou convertidos ao judaísmo e catolicismo com convertidos ao bahaísmo e ao Hare Krishnas (10 convertidos para cada tradição) (Ullman, 1988). Foi maior a probabilidade de que convertidos ao bahaísmo e ao deus Krishna relatassem episódio psicótico requerendo hospitalização (25%versus 5%) e referissem um estilo de vida caótico antes da conversão (75% versus 40%), comparados aos convertidos judeus e católicos.
Em um terceiro estudo, Peters et al. (1999) compararam os escores em um inventário de idéias delirantes entre 45 pessoas não-religiosas normais, 38 cristãos normais, 26 membros normais das religiões Hare Krishna e Druida e 33 pacientes psiquiátricos internados com delírios (27 com esquizofrenia) (Londres, Inglaterra). Os pacientes não-religiosos pontuaram menos no inventário de delírios, os pacientes cristãos obtiveram pontuação intermediária, as pessoas seguidoras de Krishna/Druidas apresentaram pontuação normal e os pacientes psicóticos marcaram a mais alta pontuação. A pontuação dos grupos de seguidores de Krishna/Druidas não se diferenciou da do grupo de psicóticos.
Muita atenção também tem sido dada ao papel em que a crença religiosa (independentemente de grupos religiosos específicos) possa estar envolvida, tanto na etiologia quanto no resultado da psicose. É particularmente importante considerar a velocidade na qual a conversão ocorre. James (1902) escreveu que a conversão súbita é mais provável de acontecer na "alma doente" que na "mente saudável". Wootton e Allen (1983), mais recentemente, informaram que a velocidade com que a conversão religiosa ocorre influencia seu impacto na saúde mental. Uma conversão religiosa súbita pode ser bastante diferente da conversão que acontece mais gradualmente, "no curso de um amadurecimento real... depois de uma procura refletida, raciocinada" (Salzman, 1953), e suas causas ou conseqüências podem ser bem diferentes.
Embora a conversão religiosa possa ocorrer freqüentemente durante um período de tensão emocional ou estresse psicológico, este não é sempre o caso. Por exemplo, naquele que talvez seja o maior estudo de conversão religiosa até o momento, Heirich (1977) investigou 152 pessoas saudáveis recentemente convertidas ao catolicismo, comparadas a 158 controles. Os fatores mais relevantes envolvidos no desencadear da conversão foram conversas com amigos, parentes ou profissionais religiosos, e não circunstâncias estressantes.
Vários estudos sugerem que a atividade religiosa ou a mudança de interesse religioso segue mais que precede o surto psicótico. Estudos administrados na Índia constataram que 22% a 27% de pacientes com esquizofrenia relataram aumento na atividade religiosa após seus diagnósticos (ICMR, 1988; Bhugra et al., 1999). Isto pode refletir aumento na busca da religião para lidar com estresse de sintomas esquizofrênicos em uma população altamente religiosa. Em um segundo estudo, pesquisadores examinaram os pacientes com esquizofrenia de primeiro episódio de quatro grupos étnicos na Grã-Bretanha: trinitário-tobagense, branco de Londres, asiático de Londres e afro-caribenho de Londres. Eles verificaram que muitas dessas pessoas tinham se convertido a uma nova religião depois de seus diagnósticos. Pesquisadores sugeriram que tais conversões eram pelo menos em parte uma tentativa de recuperar o autocontrole, já que o seu autoconceito começou a mudar com o aparecimento de sintomas esquizofrênicos (Bhugra, 2002). Nesse estudo, ficou claro que a conversão religiosa ocorreu em decorrência do desenvolvimento da psicose e não do inverso.
Religião patológica versus não-patológica
Em ambientes religiosos como a Índia, os Estados Unidos ou os países latinos, como o clínico distingue as crenças religiosas culturalmente apropriadas de sintomas psicóticos? Infelizmente, não é sempre tão fácil. Um delírio é definido como uma crença fixa e falsa da qual a pessoa não possa ser dissuadida, não importa quantas evidências apontem o contrário. O ateu pode acreditar rapidamente que a pessoa religiosa sofra de uma crença fixa, falsa, assim, até certo ponto, isso depende da visão de mundo da pessoa que julga a crença particular. Igualmente, pessoas não-psicóticas profundamente religiosas podem falar sobre ouvir a voz de Deus ou experimentar uma visão religiosa, como aconteceu em Medjugorje, na Bósnia-Herzegóvina. Porém, como afirmado anteriormente, delírios religiosos ocorrem em pessoas com psicose em mais de um quarto a um terço das vezes, podendo ser usados para determinar se uma psicose está ou não presente. Assim, distinguir crenças e experiências religiosas das que são psicóticas se torna um dilema urgente para o clínico.
Pierre (2001) descreveu vários modos de distinguir experiências psicóticas de experiência religiosa normal. Ele afirmou que, para que as crenças ou as experiências religiosas sejam patológicas, precisam prejudicar a capacidade de a pessoa desempenhar suas atividades diárias. Se o desempenho social ou ocupacional não for prejudicado, então a crença ou experiência religiosa não será patológica. Exemplos de problemas no desempenho são perda da capacidade de manter um emprego, problemas legais com a polícia ou por não conseguir realizar suas obrigações, comportamentos ou ameaças suicidas ou homicidas e dificuldades de pensar com clareza. A pessoa religiosa saudável com experiências místicas, por outro lado, terá freqüentemente com o passar do tempo um resultado positivo, como maior maturidade e crescimento psicológico ou espiritual.
Outros têm colocado ênfase na capacidade em desempenhar as funções sociais e têm apontado outras características distintivas (Lukoff, 1985). A pessoa psicótica normalmente não tem insight da natureza incrível dos seus relatos, podendo até mesmo adorná-los. Por outro lado, a pessoa não-psicótica normalmente admite a natureza extraordinária ou inacreditável dos seus relatos. Além disso, a pessoa psicótica terá dificuldade em estabelecer a "realidade intersubjetiva" com outras pessoas no seu ambiente social ou religioso, principalmente porque apresentará outros sintomas da doença psicótica que prejudicarão sua habilidade de se relacionar com os outros. Porém, estados psicóticos e místicos podem ter tantas sobreposições que é difícil distinguir um do outro sem acompanhamento de longo prazo e cuidadosas observações ao longo do tempo.
O psiquiatra Andrew Sims, da Grã-Bretanha, propõe critérios que podem ser utilizados na distinção de pessoas com crenças religiosas ou espirituais daquelas com delírios religiosos. Esses critérios incluem aspectos comuns às distinções diagnósticas descritas anteriormente. Sims (1995) aponta que para delírios religiosos:
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"Tanto o comportamento observado como a experiência subjetiva se conformam com sintomas de uma doença mental;
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Havia outros sintomas reconhecíveis de doença mental em outras áreas da vida do indivíduo; outros delírios, alucinações, transtornos do humor ou pensamento, e assim por diante;
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O estilo de vida, comportamento e direção das metas pessoais do indivíduo depois do evento ou da experiência religiosa foram consistentes com a história natural de um transtorno mental em lugar de uma experiência de vida pessoalmente enriquecedora".
Esses critérios foram usados em estudos por Siddle et al. (2002a; 2004), os quais têm proporcionado evidências para a sua validade.
Há, então, consenso geral de que critérios específicos existem e podem ajudar a distinguir a pessoa mentalmente doente com psicose da pessoa religiosa e devota que tem experiências místicas. A pessoa religiosa tem insight na natureza extraordinária dos seus relatos, normalmente faz parte de um grupo de pessoas que compartilha as suas crenças e experiências (culturalmente apropriado), não tem outros sintomas de doença mental que afetem o processo de seus pensamentos, é capaz de manter um trabalho e evitar problemas legais, não causar danos a si mesma e, normalmente, tem resultado positivo com o passar do tempo. Porém, claro que há sempre a possibilidade de que uma pessoa mentalmente doente (até mesmo aquelas com doença psicótica) tenha crenças religiosas e experiências místicas que sejam culturalmente normativas e possam, de fato, ajudar a mais bem lidar com a sua doença mental.
Religião como recurso e comportamento de coping
Vários estudos sugerem que crenças religiosas são usadas para lidar com o extremo estresse que a doença mental possa causar. Por exemplo, em um pequeno estudo de 28 pacientes com doença mental grave em moradores de Maryland, os pesquisadores verificaram que, entre estes, 47% deles indicaram que espiritualidade/religião tinha ajudado muito, 57% rezavam diariamente e 76% pensavam diariamente em Deus ou questões espirituais/religiosas (Lindgren e Coursey, 1995). Igualmente, entrevistas com 40 pacientes psiquiátricos em Springfield, Missouri, demonstraram que quase metade deles (48%) indicou que crenças religiosas foram muito importantes para ajudar a lidar com a doença mental (Sullivan, 1993). Um estudo muito maior com 406 pacientes de uma unidade de saúde mental, no condado de Los Angeles, relatou que mais de 80% dos pacientes disseram que usaram a religião para lidar com a saúde mental (Tepper et al., 2001). Na realidade, a maioria dos pacientes gastou quase a metade do tempo para lidar com sua doença em atividades religiosas.
Em um estudo de 356 pessoas nos Estados Unidos com doença mental grave, pesquisadores compararam copingreligioso entre aqueles com esquizofrenia, transtornos esquizoafetivos, bipolares e depressivos (Reger e Rogers, 2002). Os pacientes com esquizofrenia crônica ou transtornos esquizoafetivos usavam mais o copingreligioso que pacientes com transtornos afetivos. Em outro estudo, administrado pela Internet, os pesquisadores examinaram práticas alternativas de saúde de 157 pessoas com esquizofrenia, transtorno bipolar ou depressão maior (Russinova et al., 2002). Muitos dos que apresentaram esquizofrenia e depressão maior (56% a 58%) informaram que as práticas de alternativas de saúde mais comuns utilizadas para lidar com a doença foram atividades religiosas/espirituais. Entre os pacientes com transtornos bipolar, 54% utilizaram meditação e 41%, atividade religiosa ou espiritual como coping.
Estudos na Europa e outras partes mais secularizadas do mundo relataram resultados contraditórios relativos à prevalência de coping religioso, dependendo do estudo particular citado. Por um lado, em um estudo que comparou amostras pequenas de pacientes com esquizofrenia da Grã-Bretanha (n = 33) ou da Arábia Saudita (n = 37), os sauditas utilizavam mais a religião para lidar com as alucinações (43% versus 3% na Grã-Bretanha) (Wahass e Kent, 1997). Por outro lado, em um estudo na Grã-Bretanha, de 52 pacientes psicóticos, 70% diziam-se religiosos, 61% usavam a religião para lidar com a doença mental, 22% indicaram que a religião foi o fator mais importante nas suas capacidades de levar o dia-a-dia e 30% disseram que a sua religiosidade tinha aumentado desde o começo da doença (Kirov et al., 1998). Igualmente, um estudo de 79 pacientes psiquiátricos de New South Wales (perto da Austrália) verificou grande disseminação de crenças espirituais. Nesse estudo, 79% diziam ser a espiritualidade muito importante, 82% pensavam que seus terapeutas deveriam estar cientes das suas crenças espirituais e 67% informaram que sua espiritualidade os ajudou no coping (DSouza, 2002).
No estudo de Kirov com 52 pacientes psicóticos da Grã-Bretanha descrito anteriomente, pacientes que usaram a religião para coping tiveram maior insight para sua doença e maior adesão ao uso do medicamento.
Impacto da religião na evolução clínica
No estudo anterior, coping religioso pareceu ter impacto positivo na evolução dos pacientes já que foi associado com maior insight e adesão. Numerosos outros estudos também informam influência positiva de envolvimento religioso não-delirante no curso da doença mental grave.
Há mais de 50 anos, Schofield et al. (1954) informaram que a participação habitual na igreja era um de 13 fatores associado a bom prognóstico em 210 pacientes com esquizofrenia. Em um estudo de 128 pacientes afro-americanos com esquizofrenia, examinou-se o envolvimento religioso como um preditor de re-hospitalização (Chu e Klein, 1985). Os resultados dependeram de se os pacientes eram de áreas urbanas (n = 65) ou rurais. Os de áreas urbanas seriam menos prováveis à re-hospitalização se as suas famílias encorajassem o envolvimento religioso durante a hospitalização. Na amostra global, a falta de envolvimento religioso associou-se a maior risco de readmissão, particularmente quando comparou pacientes católicos.
No maior estudo realizado até o momento, 386 pacientes ambulatoriais com esquizofrenia foram seguidos durante dois anos, examinando-se fatores relacionados à hospitalização por piora da psicose (Verghese et al., 1989). Pacientes que relataram diminuição nas atividades religiosas no início do estudo experimentaram deterioração mais rápida com o passar do tempo. Esse estudo foi conduzido na Índia em uma população majoritariamente hindu.
Em um estudo realizado na Suécia, um país secular, pesquisadores estudaram 88 pacientes com transtornos psicóticos com início na adolescência, e a maioria deles tinha esquizofrenia. Os indivíduos foram seguidos por mais de 10 anos e tentativas de suicídio foram investigadas durante esse período (por quase 25% da amostra) (Jarbin e von Knorring, 2004). O envolvimento religioso estava entre os fatores que predisseram menos tentativas de suicídio (com boas relações de família e melhor saúde). Na realidade, quando os pesquisadores controlaram para ansiedade e depressão, a única variável que predisse menos tentativas de suicídio foi a satisfação com a crença religiosa.
Finalmente, em um estudo que examinou a resposta ao tratamento durante quatro semanas de hospitalização em 155 pacientes com esquizofrenia, nem nível de atividade religiosa, nem a presença de delírios religiosos, prejudicou a resposta ao tratamento quando comparados a outros pacientes (Siddle et al., 2004). Nesse estudo, pacientes com delírios religiosos apresentaram doença mais grave e maior incapacitação funcional que outros pacientes. Claramente, são necessários mais estudos que meçam cuidadosamente em seu início as atividades religiosas, tanto delirantes quanto não-delirantes, e avaliem cuidadosamente mudanças no envolvimento e interesse religioso durante a hospitalização, depois da alta e após o tratamento com medicações antipsicóticas.
Intervenções religiosas ou espirituais
Já que muitos pacientes com transtornos mentais graves usam a religião para lidar com sua doença, pode ser que intervenções religiosas ou espirituais se mostrem úteis. Fallot (2001) descreve como as necessidades espirituais dos pacientes com transtornos mentais graves podem ser abordadas como parte do tratamento. Intervenções indicadas incluem colher história espiritual e abordar as necessidades espirituais em psicoterapia individual, uma vez que a doença esteja estabilizada, conectando o paciente às comunidades religiosas e recursos espirituais e conduzindo terapia de grupo com foco na espiritualidade em ambientes hospitalares e ambulatoriais.
Entretanto, há uma preocupação de que essas intervenções possam interferir na recuperação de pessoas com transtorno mental grave ou complicá-la, especialmente se estão presentes alucinações ou delírios religiosos. Embora a pesquisa esteja em fase inicial, os estudos até o momento não indicam que tais abordagens possam piorar ou exacerbar a doença psicótica, especialmente quando aplicadas de maneira sensível. A seguir, serão revisados alguns desses estudos com um foco em terapia de grupo espiritualmente fundamentada que tem o potencial para gerir apoio, reduzindo o isolamento e abordando as preocupações espirituais comuns de pacientes com transtorno mental grave.
Phillips et al. (2002) descreveram um programa psicoeducacional semi-estruturado de sete semanas, moldado em um formato de terapia de grupo especificamente projetado para pessoas com transtorno mental grave. Em uma sessão típica, participantes discutem recursos religiosos, conflitos espirituais, perdão e esperança. Kehoe (1999) descreveu outro programa baseado nas suas experiências de mais de duas décadas realizando terapia de grupo espiritualmente fundamentada com pacientes psiquiátricos. Assumindo uma abordagem de orientação psicodinâmica, informa que terapia de grupo espiritualmente fundamentada promove tolerância, autoconsciência e exploração de sistemas de valor. Porém, isso é feito dentro de limites cuidadosamente estabelecidos que promovem tolerância de diversidade e respeitando as crenças de todos os participantes.
De acordo com Phillips e Kehoe, participantes dessa experiência de grupo ampliaram a compreensão de seus sentimentos, o conforto de terem suas preocupações espirituais abordadas e suas relações sociais. Usando uma abordagem de grupo semelhante que focaliza questões espirituais, ORourke (1997) também verificou que as pessoas submetidas a essa terapia se tornavam mais ligadas aos próprios sentimentos e vivenciavam maior senso de espiritualidade e apoio social como resultado da intervenção. Esses grupos são tipicamente realizados em ambulatórios psiquiátricos e hospital-dia, incluindo de seis a 12 membros.
Também foram descritas intervenções espirituais que têm uma abordagem mais individualizada. Por exemplo, estudantes de enfermagem, em Maryland, realizaram intervenção espiritual em 20 pacientes internados com esquizofrenia (todos cristãos) em um hospital público (Carson e Huss, 1979). A intervenção, que durou 10 semanas, consistiu de atendimentos individualizados com pacientes, com foco em oração e leitura da Bíblia, enfatizando o amor de Deus e reforçando os seus valores e o valor a Deus. Os resultados indicaram que, comparados aos pacientes controle, os que receberam a intervenção espiritual foram mais capazes de expressar suas preocupações verbalmente, expressar raiva e frustração e lidar com sentimentos e emoções internos. Tais pacientes também foram mais motivados a realizar mudanças nas próprias vidas, demonstrar afeto mais apropriado e se queixar menos de sintomas somáticos. Esses resultados foram basicamente qualitativos.
Igualmente, Lindgren e Coursey (1995) projetaram uma intervenção espiritual que consiste de quatro sessões de uma hora e meia cada uma, que busca melhorar a auto-estima de pacientes com transtorno mental grave, a maioria com esquizofrenia. Investigadores administraram essa intervenção em um formato de ensaio aberto para 28 pacientes. Depois do tratamento, os participantes relataram aumento do apoio espiritual, mas não ocorreu nenhum efeito em depressão, desesperança, auto-estima nem objetivo na vida. Em nenhum dos estudos anteriores, os investigadores observaram qualquer agravamento de sintomas com intervenções espirituais.
Pesquisas em países fora dos EUA, em ambientes culturais e religiosos diferentes, também demonstraram benefícios de abordagens espirituais. Em um estudo realizado no sul da Índia, pesquisadores descreveram os efeitos de se permanecer em um templo hindu (a intervenção espiritual) (Raguram et al., 2002). Construído sobre a sepultura de um mestre hindu venerado, o templo tinha sido conhecido localmente como um santuário curativo para pessoas com doença mental. Pesquisadores do Instituto Nacional de Saúde Mental e Neurociência em Bangalore estudaram 31 indivíduos que consecutivamente procuraram ajuda no templo. Os indivíduos residiram no templo por uma média de seis semanas (uma a 24 semanas). Os diagnósticos mentais incluíram esquizofrenia paranóide (n = 23), transtorno delirante (n = 6) e transtorno bipolar-episódio maníaco (n = 2).
A Brief Psychiatric Rating Scale (BPRS) foi administrada na chegada ao templo e na saída dele. Entre a entrada e a saída do templo, os escores de BPRS reduziram em 19% (de 52,9 para 42,9) sem uso de medicação. Os pesquisadores também realizaram entrevistas com os familiares que relataram melhora nas condições dos seus parentes durante o tempo em que ficaram no templo. Os investigadores concluíram que "a redução observada de quase 20% nos escores da BPRS representa nível de melhora clínica que se assemelha àquela alcançada por muitos agentes psicotrópicos, inclusive os novos agentes atípicos" (p. 39). Eles hipotetizaram que as melhoras ocorridas com as intervenções espirituais pudessem explicar os melhores resultados para esquizofrenia observados em sociedades tradicionais.
Porém, intervenções espirituais nem sempre beneficiam os acometidos de transtorno mental grave. Pelo menos um estudo informou associação entre práticas de cura espirituais e recaídas esquizofrênicas. Usando um desenho de estudo de caso-controle, os pesquisadores examinaram 40 pacientes egípcios idosos com esquizofrenia, comparando 20 dos que informaram cura espiritual com 20 daqueles que não tiveram (Salib e Youakim, 2001). Os pacientes foram pareados por idade, gênero e duração de doença. Foram examinadas, retroativamente, recaídas ao longo do período de 18 meses. Nesse estudo, cura espiritual estava definida como "uso excessivo de orações; leitura de versos do Alcorão ou da Bíblia como forma de aconselhamento baseado em relevância religiosa (durante pelo menos uma hora por dia); freqüência excessiva em mesquitas ou igrejas para meditações solitárias ou em grupo (mais de cinco vezes por semana); participação de sessões que incluíram feitiçaria ou métodos relacionados (sempre) e de rituais, inclusive exorcismo e procissões Zar(sempre)". Os resultados indicaram que indivíduos que relataram cura espiritual recaíram com mais freqüência (17 de 20) que aqueles que não vivenciaram tal experiência (12 de 20) (p = 0,03). Porém, a recaída era particularmente comum entre pacientes que receberam exorcismo ou feitiçaria, visto que possuíam chance de recaída quatro vezes maior (p = 0,01). Maior intensidade de crença religiosa ou freqüência de prece/meditação não se relacionou à recaída.
Assim, parece que as práticas curativas espirituais não são iguais em termos de benefícios. Nenhuma intervenção espiritual, tanto individual como em grupo, teve ainda sua eficácia e segurança testadas objetiva e rigorosamente em ensaios clínicos randomizados.
Conclusões
Pacientes com doença mental grave e persistente freqüentemente se apresentam para tratamento com delírios religiosos. Nos Estados Unidos, aproximadamente 25% a 39% dos pacientes com esquizofrenia e 15% a 22% daqueles com mania/bipolar apresentam delírios religiosos. Na Grã-Bretanha e Europa, 21% a 24% de pacientes com esquizofrenia apresentam delírios religiosos e, no Japão, o índice é de 7% a 11%. Em relação ao Brasil, há menos informação disponível, mas os índices de delírios religiosos provavelmente excedam 15%. Crença e atividade religiosa não-psicótica são também bastante comuns entre pessoas com doença mental grave, e essas crenças freqüentemente são usadas para lidar com o intenso estresse psicossocial causado por tal doença.
Pode ser difícil distinguir crenças de experiências psicóticas versus não-psicóticas em alguns casos, embora existam modos descritos aqui pelos quais os clínicos podem fazer tais distinções. Isso é particularmente importante já que o envolvimento religioso não-psicótico pode ter impacto positivo no curso da doença e freqüência de exacerbações psicóticas, merecendo, assim, apoio e encorajamento dos clínicos. Por outro lado, delírios religiosos podem indicar presságio de pior prognóstico e, por isso, deveriam ser tratados vigorosamente.
Intervenções espirituais, especialmente quando aplicadas em grupo, podem influenciar o curso da doença mental grave de vários modos, incluindo fornecimento de apoio, focalizando as suas preocupações espirituais e aumentando as suas habilidades para relacionar-se com outros. Infelizmente, há muito sobre a relação entre religião e doença de psicótico que permanece desconhecido, apontando a necessidade de mais pesquisas. Porém, o que já se conhece justifica ao menos alguns passos cautelosos adiante. Colher uma cuidadosa história espiritual, apoiar o envolvimento religioso não-psicótico e considerar intervenções de grupos espiritualmente fundamentadas para pacientes que tenham essa inclinação parecem ser os próximos passos razoáveis.
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Endereço para correspondência:
Harold G. Koenig
Box 3400, Duke University Medical Center
Durham, NC 27710, EUA
E-mail: koenig@geri.duke.edu
Tradução: Alexandre Augusto Macêdo Corrêa
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-60832007000700013