Papa pede à Igreja que "vença os medos diante das surpresas de Deus"
A Igreja, defendeu Francisco no fim do Sínodo, “tem de responder corajosamente a quaisquer desafios”. Descrevendo o encontro como uma “grande experiência”, sublinhou que os participantes puderam falar de uma forma “verdadeiramente livre”.
Na missa em que beatificou Paulo VI, domingo de manhã, Francisco quis homenagear o sínodo da família no Concílio Vaticano II e convidou todos a “vencer o medo diante das surpresas de Deus”, dedicando as suas orações a essa necessidade.
Na cerimónia que assinalava o fim do primeiro Sínodo dos Bispos sobre a Família por si marcado, o argentino lembrou as palavras de Paulo XI quando estabeleceu o sínodo de bispos: “Analisando cuidadosamente os sinais dos tempos, estamos a fazer todos os esforços para adaptarmos costumes e métodos às necessidades crescentes da nossa época e às condições em mudança na sociedade”.
“Deus conduz-nos por caminhos imprevistos”, afirmou o Papa, no final de um debate aceso onde a sua defesa de uma maior abertura da Igreja face ao divórcio, à homossexualidade ou às uniões de facto mostraram ser maioritárias mas não alcançaram os dois terços necessários para aprovação. Ainda assim, a seu pedido, mantiveram-se no documento final do sínodo (sob a indicação “não aprovados formalmente”).
“Deus não tem medo das coisas novas. Por isso é que nos está constantemente a surpreender, a abrir os nossos corações e a guiar-nos por caminhos inesperados”, afirmara Francisco quando encerrou o encontro, no sábado à noite. A Igreja, defendeu, “tem de responder corajosamente a quaisquer desafios”. Antes, pedira aos cerca de 200 bispos para terem cuidado com a “rigidez hostil” dos conservadores da doutrina, mas também com a “boa vontade destrutiva” dos que querem mudar tudo a qualquer custo.
Descrevendo o sínodo como uma “grande experiência”, o Papa argentino sublinhou que os participantes puderam falar de uma forma “verdadeiramente livre e com uma criatividade humilde”. Na abertura no encontro, Francisco pedira aos participantes para falarem com franqueza; no fim, disse-lhes que teria ficado “preocupado e entristecido” se isso não tivesse acontecido”.
“Nunca vi um sínodo tão interessante, tão aberto e que tenha captado tanta atenção”, escreve no seu blogue Andrés Beltramo Álvarez, vaticanista argentino. Beltramo recusa que o mediatismo se deva apenas aos pontos polémicos. O que aqui houve de diferente, nota foi “o debate animado e vivo, de condição irrenunciável a uma verdadeira assembleia sinodal, característica intrínseca de uma discussão real, nem falseada nem preconcebida”. “Tal como queria o Papa”.
No início da segunda semana do sínodo, a divulgação das primeiras comunicações desencadeou uma acesa e pública polémica, com bispos mais conservadores a criticarem de forma aberta o Papa, algo de uma raridade extrema. O interesse que o sínodo gerou, insiste Beltramo, vem daí, da possibilidade que todos tiveram para expressar em público as suas divergências, “opiniões até contraditórias, que geraram ‘curto-circuitos’ e até divisões”.
Mudança pastoral
Dos três artigos que não conseguiram a maioria de dois terços, dois são sobre o acolhimento dos homossexuais na Igreja (na versão inicial lia-se que “as pessoas homossexuais têm dons e qualidades para oferecer à comunidade cristã” e aceitava-se que “o apoio mútuo de algumas uniões [homossexuais] constitui um suporte valioso para a vida dos casais”; outro sobre a possibilidade de os divorciados e recasados poderem aceder à comunhão (Francisco casou recentemente divorciados em São Pedro).
Francisco reformulou o método de funcionamento destes encontros, que passaram a realizar-se em duas partes, permitindo que sejam acompanhados de um debate a nível local, nas paróquias. “O Papa colocou claramente a Igreja num novo caminho, na direcção de um estilo de evangelização menos focado na doutrina e mais disposto a convidar as pessoas a entrar, independentemente do seu estatuto”, escreve no seu blogue John Thavis, autor do livro Os Diários do Vaticano.
A votos foram 62 pontos, todos aprovados por maioria simples, mais de 100 votos a favor entre os 183 padres sinodais com direito a voto. Só os três referidos não alcançaram os dois terços necessários.
“Com o sínodo, não se deve esperar uma mudança doutrinal da Igreja mas pastoral”, antecipa o cardeal canadiano Marc Ouellet, actual prefeito da Congregação dos Bispos. Certo é que o texto agora aprovado – Beltrano chama “jogada magistral” à decisão do Papa se incluir mesmo os pontos não aprovados – é um documento de trabalho, ponto de partida para o sínodo de Outubro de 2015. Aqui se confirma que a discussão existe e é acesa. O facto de todos o saberem já muda muito.
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