Fonte: http://www.igrejadedeusemsaopaulo.org.br/averdadeiraorigemdokipa.htm
Revisto e postado em 21/07/2012 A kipá, ou solidéu como é conhecida popularmente entre os não judeus, é hoje praticamente uma unanimidade no meio judaico. Poucos, todavia, conhecem sua origem, ou já se indagaram se o seu uso reflete as práticas do Judaísmo bíblico, ou dos israelitas da antiguidade. Os que defendem o uso da kipá entendem que o cobrir a cabeça indica temor dos céus, e que essa prática teria embasamento nas Escrituras. Este estudo se propõe a investigar essas alegações, buscando a verdadeira origem histórica do solidéu, e verificando o que dizem as Escrituras a esse respeito. II - A Origem Histórica do Solidéu Mesmo que objetivo desta seção seja uma investigação histórica, a Torá nos dá um ponto de partida muito interessante ao afirmar: “Não cortareis o cabelo em redondo, nem danificareis as extremidades da barba pelos mortos; não ferireis a vossa carne; nem fareis marca nenhuma sobre vós. Eu sou YHWH”. [Vayicrá/Levítico 19:27,28]. Vale ressaltar ao leitor que o hebraico apresenta um texto corrido, e que a pontuação e a divisão de versículos é algo introduzido pelas traduções. O texto acima fala de alguns rituais de luto que são proibidos pela Torá. Dentre eles, destaca-se o ritual da tonsura, um ritual de raspagem dos cabelos, deixando uma superfície calva no topo da cabeça, de modo que os cabelos crescessem apenas como um halo redondo em torno da mesma. Esse tipo de ritual de luto era comum entre os antigos sumérios, e por esta razão, os israelitas tiveram bastante contato com ele nos tempos antigos. Sobre isso, Brian B. Schmidt, professor de bíblia hebraica e cultura semita da Universidade de Michigan, afirma: “Laceração e tonsura são atestados como rituais de luto dentre diversos povos do Oriente Médio. Alster nota que [os textos da] Descida de Inanna ao Mundo dos Mortos (versões suméria e acadiana), Gilgamesh, Enkidu e o Mundo dos Mortos (versões suméria e acadiana) e o Épico de Gilgamesh (acadiano) contêm reflexões mitológicas dos rituais de luto envolvendo autolacerações e tonsura. Rowley [também] citou referências na literatura grega clássica”. (Israel's Beneficient Dead, pg. 174). Por hora, será deixada de lado a referência aos gregos (que será retomada mais adiante), e o foco será dado ao hábito que aparece na antiga região da Mesopotâmia. A grande questão que fica é: Por que a Torá proibiria esse rito de luto em particular? É importante ressaltar que a Torá não se ocupava de condenar qualquer tipo de costume local, mas sim principalmente aqueles que de alguma forma estavam ligados à idolatria. a) - A Adoração a Shamash Na região da antiga Bavel (Babilônia), a tonsura não era apenas um rito de luto, mas também um símbolo da devoção a Shamash, o deus-sol do antigo panteão babilônio. O acadêmico James Hastings cita a tonsura como uma forma de rito iniciático de dedicação dos sacerdotes aos deuses babilônios: As placas representam o rei Ur-Nina (Louvre) como um portador de cesto, e também assentado, mostram-no na companhia de seus oito filhos, os quais, de pé perante eles, curvam suas cabeças em sinal de respeito. Com a exceção do primeiro, todos têm suas cabeças raspadas, e é possível que o cabelo do mais velho tenha um tipo de tonsura. “O raspar a cabeça é considerado sinal de ranking sacerdotal, e essas placas parecem provar que até meras crianças eram iniciadas...” (Encyclopedia of Religion and Ethics, parte 6). Ao lado, gravura da tábua babilônia de Ur-Lina, em exposição no museu do Louvre. Conforme Hastings atesta, pode-se perceber a tonsura no filho mais velho do rei. Sobre a tonsura sacerdotal, Hastings continua: "Existem muitas referências à consagração sacerdotal, mas nada é tão conhecido como as marcas distintas que os sacerdotes portavam. As impressões de selo [N. do T. as tábuas babilônias eram impressas com selos cilíndricos em argila] mostram que eles frequentemente se raspavam, e parece certo que isso era parte do rito de consagração, que era realizado pelo shui (Sum.) ou gallabu (Sem.) Seu trabalho era provavelmente realizado perante a estátua da divindade a quem o neófito era dedicado. A isto aparentemente se sucedia o dar a tiara sacerdotal." (ibid, parte 19). É importante que o leitor compreenda que o significado do termo “tiara” aqui usado é um “ornamento de cabeça.” Mas, como era o ornamento de cabeça dos iniciados no sacerdócio babilônio, dentre os quais se destacava o sacerdócio de Shamash? Diversas tábuas babilônias demonstram que ornamento de cabeça era usado como símbolo de Shamash. A mais evidente dessas tábuas (à direita) é uma tábua do século 9 AC, que mostra o próprio deus-sol Shamash e seus súditos. Pode-se observar que esse ornamento de Shamash tinha uma forma semelhante a uma cuia, e cobria a cabeça exatamente onde a tonsura era realizada. Abaixo, algumas outras tábuas:
Esse tipo de ornamento dos sacerdotes de Shamash também aparece em outras imagens, ornando tanto homens, quanto mulheres, e até mesmo outras divindades como Ishtar e Tamuz. Existem, algumas tábuas da coleção de Ashurbanipal, em exposição no Museu Britânico. São tábuas do século 7 AEC, embora especule-se que sua origem possa estar por volta do século 17 AEC. Embora não seja a única forma de cobertura de cabeça a figurar nas tábuas babilônias, o disco-solar de Shamash é sem sombra de dúvidas o mais predominante. Até mesmo outras divindades aparecem trajando-o, demonstrando a grande importância que os babilônios davam ao sol. Isso pode ser visto em imagens como a do casamento de Ishtar e Tamuz, que é representado na gravura arqueológica ao lado. b) - De Shamash a Mitra Ao longo dos séculos, o panteão e a teologia babilônia evoluíram, embora a devoção ao sol permanecesse uma de suas marcas mais identificáveis. Já próximo aos tempos de Yahushua, a religião dos Mistérios de Mitra (cuja mitologia foi incorporada ao Zoroastrismo) era bastante popular na Babilônia, e com o passar do tempo foi ganhando cada vez mais força. Mitra era uma divindade solar, que acabou incorporando boa parte da devoção e das características do antigo deus Shamash. Abaixo, pode-se ver a predominância de Mitra em um mural do século 3 EC, o mural da investidura do imperador Ardashir. À esquerda, pode-se ver Mitra com seus inconfundíveis raios solares, e o seu solidéu (um dos dois chapéus utilizados no Mitraísmo). A religião dos Mistérios de Mitra tornou-se bastante popular também em outras culturas, tendo influenciado não apenas gregos, como também romanos. Os seguidores de Mitra tinham como marca distinta os seus dois tipos de cobertura de cabeça: o chapéu fírgio, e o solidéu. Sobre isso, em sua obra acerca das origens e do significado do solidéu, o reverendo Antonio Hernandes nos relata: "… a igreja primitiva (católica romana) roubou muitos dos hábitos, vestimentas e costumes mitraístas. Todos os mitraístas usavam um solidéu especial, todo mitraísta que comete-se pecado era condenado, entre outras coisas, a usar um solidéu de pele de porco! Seu profeta, Mitra, usava um solidéu e um chapéu pontudo supostamente de design fírgio, e era ele quem originalmente mostrou todos os atributos do Cristo [romano]. Mas diferentemente do Cristo, Mitra emergiu de uma rocha, completamente nu e belo, usando seu solidéu orgulhosamente." (My Kingdom for a Crown: An Around-the-World History of the Skullcap and its Modern Socio-Political Significance). Até hoje, os zoroastristas (também conhecidos como parsis), utilizam a mesma cobertura de cabeça dos mistérios mitraístas, como pode ser visto em algumas fotos abaixo:
c) - Da Babilônia à Grécia O culto ao deus-sol também influenciou a cultura grega, provavelmente trazido pelos fenícios, como visto na figura abaixo representando a história de Cadmos, o fenício que supostamente teria fundado a Grécia. O painel, do museu do Louvre, apresenta-o trajando solidéu. Semelhantemente, os deuses gregos também são frequentemente representados usando solidéu, como abaixo nas esculturas gregas antigas de Oceanus e Zeus: Abaixo, uma escultura de um dos Dioscuri, os filhos gêmeos de Zeus, em uma praça em Turim, na Itália, e uma antiga gravura mostrando ambos os Dioscuri, ambos usando solidéu: Até hoje, na Albânia, em região do antigo império grego, pode-se ver o costume remanescente. Abaixo, um senhor albanês trajando o seu solidéu: d) - Roma e a Tonsura Solar Parte desse rito incluía o antigo hábito das tonsuras, exatamente a mesma prática proibida pela Torá, e que era realizada na Babilônia em conexão com a adoração ao deus-sol. Sobre o rito da tonsura, a Enciclopédia Católica afirma: “Um ritual sagrado instituído pela Igreja através do qual um cristão batizado e crismado é recebido na ordem clériga através da raspagem de seu cabelo e do investimento da túnica. A pessoa assim tonsurada torna-se participante dos privilégios e obrigações comuns do estado clérigo e está preparada para a recepção de ordens”. (Tonsure). A exemplo do que acontecia na antiga Babilônia, a tonsura romana era coberta por um solidéu. Sobre esse hábito, Hernandez escreve: "Tonsura - O ato de raspar a cabeça para representar o tomar votos ou ordens religiosas. Praticada tanto pelos pagãos, quanto por budistas e “cristãos”, a tonsura precisava de proteção – uma das principais razões pelas quais o solidéu passou a ser usado pelos clérigos religiosos em todo o mundo." (My Kingdom for a Crown: An Around-the- World History of the Skullcap and its Modern Socio-Political Significance). Embora a tonsura tenha saído de moda na Igreja Católica, o uso do solidéu permanece. Curiosamente, o termo “solidéu” deriva de “soli deo”. Hoje em dia, o Vaticano jura que “soli deu” significa “somente deus”. Todavia, o termo “soli deo” no latim também pode significar “deus sol.” Apesar dessa aparente ambiguidade, não há dúvidas quanto à origem real do termo, por dois motivos. e) - Representações dos Antigos Israelitas Nos tempos bíblicos, os israelitas comuns não tinham por hábito usarem coberturas de cabeça. Abaixo, algumas evidências arqueológicas comprovam isso. A primeira delas, um mural egípcio de cerca do século 15 AEC., mostra os hebreus cativos trajando tsitsiyot (franjas). Não há qualquer cobertura de cabeça. O mesmo pode-se observar do mural de Senaqueribe, abaixo, de cerca do século 7 AEC., que ilustra os israelitas sendo levados para o cativeiro assírio. As tábuas possuem alguns detalhes próximos aos pés que podem representar tsitsityot (franjas), mas novamente não há qualquer cobertura de cabeça. E, por fim, há ainda uma imagem em que Yehu, rei de Judá, se prostrando perante Shelmanaser III, rei da Babilônia, de cerca do século 9 AEC. Esse mural, de origem babilônia, é curioso pois representa Yehu com uma cobertura de cabeça. Todavia, seu acompanhante ao lado aparece sem tal cobertura, o que reforça o indício de que nos tempos bíblicos, o costume de cobrir a cabeça era apenas social. Mais adiante, serão abordados também os murais da sinagoga de Dura-Europos, que indicam que o costume também não era comum mesmo no século 3 EC. III - A Bíblia e o Cobrir a Cabeça
Abaixo, apresenta-se uma lista dos termos bíblicos usados para cobertura de cabeça. Será feita uma análise cuidadosa da etimologia e do contexto de uso de cada termo: a) - Mitsnefet O termo vem da raíz "tsanaf", que significa "enrolar." Literalmente, um turbante. Esse termo aparece nas Escrituras de forma exclusiva ao turbante do cohen hagadol (sumo-sacerdote), que era feito de linho. Aparece frequentemente como “mitra” nas traduções para o português, embora “turbante” seja a leitura mais apropriada: “Prenda-o na parte da frente do turbante [mitsnefet] com um cordão azul”. [Shemot/Êxodo 28:37]. b) – Tsanif Esse termo vem da mesma raiz de mitsnefet. Literalmente, algo "enrolado". No contexto em que é usado, trata-se de um adorno que indica alguma riqueza ou status. Provavelmente, o uso de "tsanif" versus "mitsnefet" é para diferenciar o traje típico do cohen hagadol dos demais turbantes. Curiosamente, o termo sempre aparece em contextos figurativos: “A retidão era a minha roupa; a justiça era o meu manto e o meu turbante [tsanif]”. [Iyov/Jó 29:14]. c) – Atará Literalmente, uma coroa. Era feita de metal (geralmente, ouro e pedras preciosas), e é associada a reis e governantes. Quando aparece figurativamente, refere-se à autoridade: “A seguir tirou a coroa [atará] da cabeça do rei, uma coroa [atará] de ouro de um talento; ornamentada com pedras preciosas. E ela foi colocada na cabeça de David...”. [Sh´muel Beit/2Samuel 12:30]. d) – Chevel Uma corda ou laço, mencionada duas vezes numa única passagem da Bíblia como algo possivelmente amarrado ao lado da cabeça Aparentemente, pelo contexto, era usado por pessoas humildes (ou que desejassem se humilhar), e se assemelha ao que aparece em um mural egípcio que representa os israelitas. Ao que tudo indica, provavelmente era usado para amarrar os cabelos para o trabalho. Há ainda algumas traduções que interpretam como colares. “Então, lhe disseram os seus servos: Eis que temos ouvido que os reis da casa de Israel são reis clementes; ponhamos, pois, panos de saco sobre os lombos e cordas [chavalim] à roda da cabeça e saiamos ao rei de Israel; pode ser que ele te poupe a vida. Então, se cingiram com pano de saco pelos lombos, puseram cordas [chavalim] roda da cabeça”. [Melachim Alef/1Reis 20:31-32]. Mais uma vez, o uso é plenamente cultural. e) - Migba'ah O termo vem da mesma origem de "gavah" que significa "alto ou projetivo". Não à toa, o termo "guivah" significa "morro ou montanha" e "gavia" que significa "taça". A Enciclopédia Judaica define da seguinte forma: "O termo usado para denotar as mitras dos sacerdotes comuns ('migba'ot', derivado de 'guebia' = 'taça') sugere uma cobertura de formato cônico, presa firmemente à cabeça". Em outras palavras, era uma espécie de turbante que era atado de forma peculiar, formando uma espécie de um cone mais alto. Qual o provável objetivo desse formato peculiar? Provavelmente, era destacar o Cohen (sacerdote) para que fosse facilmente visto em meio à multidão. Normalmente, aparece nas traduções para o português como “tiaras”, embora o formato não tenha nenhuma conexão com o que se entende modernamente por “tiara”: “Também Moshe (Moisés) fez chegar os filhos de Aron, e vestiu-lhes as túnicas, e cingiu-os com o cinto, e atou-lhes os turbantes-cônicos[migba´ot], como YHWH lhe ordenara”. [Vayicrá/Levítico 8:13]. f) - Pe'er O termo tem a mesma raiz de tiferet, e significa literalmente "belo" ou "beleza". Era usado para descrever basicamente um enfeite, adorno ou uma peça bela. Em Yeshayahu (Isaías), aparece como adorno usado pelo noivo. Em Yehezkel (Ezequiel), YHWH diz a ele para usar adornos, de modo a ocultar sua tristeza. Ou seja, era um traje cujo objetivo era mesmo enfeitar. É provável que nem todas as passagens onde o termo aparece refira-se a peças específicas para a cabeça, pois há pelo menos uma ocorrência (vide citação abaixo) onde a Bíblia se preocupa em explicar o tipo de adorno, indicando que poderiam ser de diversas naturezas. Algumas traduções trazem o termo como “ornamento”, outras como “turbante.” Porém, o termo não era usado apenas para turbantes, pois a Torá diz: “E o turbante [mitsnefet] de linho fino, e o ornamento das tiaras[pa´arei hamigba´ot] de linho fino, e os calções de linho fino torcido”. [Shemot/Êxodo 39:28]. g) – Charbela Esse termo aparece uma única vez nas Escrituras, na parte aramaica de Daniel. O termo aramaico “charbela” é de difícil tradução, pois, segundo a concordância Strong, pode indicar “manto, túnica, turbante ou capacete”. A passagem em Daniel não é suficientemente clara para sequer termos certeza de que se trata de uma cobertura de cabeça. Todavia, o mais provável é que “charbela” deva indicar uma espécie de pano, que provavelmente também poderia ser atado como um turbante: “E os três homens, vestidos com seus mantos, calções, turbantes [charbelot] e outras roupas, foram amarrados e atirados na fornalha extraordinariamente quente”. [Daniel 3:21]. A passagem refere-se aos três amigos de Daniel, e apenas indica que eles foram lançados na fornalha do jeito que estavam vestidos. Ou seja, é mais uma referência cultural. IV - Análise das EscriturasPode-se concluir algumas coisas interessantes analisando os termos usados para coberturas de cabeça na Bíblia. A que mais chama a atenção é a ausência de qualquer elemento que mesmo remotamente nos lembre a kipá. Nas Escrituras, à exceção da coroa, as coberturas de cabeça tinham formato de turbante, eram feitas de tecidos finos (que, à época, custavam pequenas fortunas), e usadas não pelo povo de um modo geral, mas por pessoas de destaque. Eram um símbolo de status, e eram tidos como um artigo de grande beleza. A própria Torá nos indica ao usar o termo “pe´er” que os turbantes eram adornos. Ou seja, eles foram introduzidos por Elohim no Mishcan (Tabernáculo) por motivos relativamente simples de compreender. Os israelitas já estavam habituados a verem pessoas de status usarem turbantes. Quando YHWH determina que os cohanim (sacerdotes) usem turbantes de linho como peças de adorno, isto simbolizava não o “temor do céu”, como alguns supõem por hábitos posteriores, mas sim, segundo as próprias Escrituras, simbolizavam uma autoridade e um destaque perante o povo. Não há nenhum exemplo de alguém do povo usando alguma peça de cabeça por razão de temor a YHWH, ou adotar o hábito dos turbantes de linho dos cohanim (sacerdotes). Se alguém, todavia, entendesse que o fato de nós sermos considerados cohanim (sacerdotes) em Yahushua indicaria que devêssemos usar algum tipo de chapéu, teríamos aí dois problemas: O primeiro é que um cohen (sacerdote) não usava qualquer chapéu, e sim um turbante de linho bastante específico. O segundo é a total ausência de qualquer menção a isso, mesmo como costume, na B´rit Chadashá (Segunda Aliança). a) – Yahushua Usava Kipá? A B´rit Chadashá (Segunda Aliança) não traz nenhuma menção a Yahushua ou seus talmidim (discípulos) usando qualquer tipo de cobertura de cabeça, muito menos ainda por motivos religiosos. De fato, à época, nem mesmo a seita dos p´rushim (fariseus) fazia tal uso. Mesmo por séculos depois de Yahushua, as coberturas de cabeça usadas pelos israelitas (em sua maioria, turbantes) eram tidas unicamente como elemento cultural. Não eram usadas unanimemente, eram partilhadas por homens e mulheres, e não tinham qualquer conotação religiosa. Isso será visto mais adiante. Sobre os tempos de Yahushua, o rabino Shmuel Safrai, professor emérito de História Judaica do Período Talmúdico e Mishnaico, da Hebrew University, afirma: "É certo que Yahushua, um israelita residindo na terra de Israel no primeiro século, não usava uma kipá (solidéu). O costume de usar uma kipá surgiu na Babilônia entre os séculos terceiro e quinto EC. entre os residentes não judeus – os residentes judeus da Babilônia ainda não haviam adotado esse costume, conforme as pinturas (ao lado) da [sinagoga] Dura-Europos mostram - e passaram de lá para a comunidade judaica na Europa. Apesar dos sacerdotes usarem um migba'at (uma cobertura de cabeça tipo um turbante - Êxodo 28:4, 40; Levítico 8:13), outros judeus do período do Segundo Templo não usavam uma cobertura de cabeça. Isto é confirmado tanto pela literatura quanto por restos arqueológicos do período. Por exemplo, as gravuras no Arco de Tito em Roma, que representam a procissão da vitória em Roma logo em seguida à conquista de Jerusalém em 70 EC., mostram os judeus cativos de cabeças descobertas. Semelhantemente, as pinturas da sinagoga de meados do terceiro século EC. escavados em Dura-Europos representam todos os homens judeus com as cabeças descobertas, exceto por Aarão o sacerdote." (Did Jesus Wear a Kippah?) Acima, um dos painéis da Dura-Europos, representa a unção de David. Todos os homens aparecem de cabeças descobertas. b) - O Encobrir/Ocultar a Cabeça As Escrituras trazem ainda mais um elemento importante que deve ser analisado: “E seguiu Davi pela encosta do monte das Oliveiras, subindo e chorando, e com a cabeça coberta[chafu]; e caminhava com os pés descalços; e todo o povo que ia com ele cobria [chafu]cada um a sua cabeça, e subiam chorando sem cessar”. [Sh´muel Beit/2Samuel 15:30]. As palavras que aparecem acima traduzidas como as ações de cobrir vêm da raiz chafá, que significa “cobrir” ou “ocultar”. Aqui há a ideia de que Davi, provavelmente com a sua própria túnica, ocultou a sua cabeça. Alguns chegam a tentar apontar essa passagem como evidência de que se deve orar com a cabeça coberta. Todavia, o que acontece aqui nessa narrativa é algo bastante específico: Davi estava amargurado, e humilhado. Ele sabia que, por conta de seu pecado, Avshalom (Absalão), seu próprio filho, se voltou contra ele. Tanto que, logo em seguida, Hushai se encontra com ele, com terra sobre a cabeça, e roupas rasgadas. Repare que a referência aqui não é a um uso de chapéu, mas sim o ocultar a cabeça, em sinal de tristeza e humilhação. Pode-se ver isso com bastante clareza em outros trechos das Escrituras: “E os seus mais ilustres enviam os seus pequenos a buscar água; vão às cisternas, e não acham água; voltam com os seus cântaros vazios; envergonham-se e confundem-se, e cobrem [chafu] as suas cabeças. Por causa da terra que se fendeu, porque não há chuva sobre a terra, os lavradores se envergonham e cobrem [chafu] as suas cabeças”. (Yirmiyahu/Jeremias 14:3, 4]. Yirmiyahu haNavi (o profeta Jeremias) deixa bem explícito que o costume do “ocultar/cobrir” a cabeça com pano ou túnica era um ato de humilhação. Pode-se perceber que isso é bem diferente do uso do turbante, que era um símbolo de status. Esse hábito, além de não ser um hábito religioso, também não era hábito exclusivo dos israelitas, e sim um costume do oriente médio. Pode-se perceber isso na narrativa de Hadassa (Ester), onde Haman também “oculta” a cabeça pelo mesmo motivo: “Depois disto Mordechai voltou para a porta do rei; porém Haman se retirou correndo à sua casa, triste, e de cabeça coberta”. [Hadassa/Ester 6:12]. Como visto, não havia entre os judeus o costume de “ocultar/cobrir” a cabeça com o talit, ou com algum tipo de túnica, simplesmente para orar rotineiramente. O costume indicava, ao contrário, um sinal de tristeza, de luto ou humilhação. Hoje em dia, todavia, esse costume existe, e é bastante difundido. Como visto tal costume não se origina nas Escrituras, nem nos tempos antigos. De onde vem, então? Esse costume, como vimos, não é mencionado nas Escrituras. Também não aparece na Mishná (século 2), nem tampouco no Talmud (séculos 3 a 6). De onde, então, deriva? A origem desse hábito, que não condiz com a prática bíblica, é incerta. Talvez a resposta esteja nos costumes romanos. Isso não seria de todo surpreendente, tal o grau de assimilação de costumes pagãos por parte dos p´rushim (fariseus). Porém, não se pode afirmar categoricamente que a origem esteja aí. Apesar disso, certamente essa era a origem da problemática vivida por Sha´ul (Paulo) em Corinto. Sendo assim, é importante conhecer esse costume romano. Na adoração romana, o principal líder das orações tinha por hábito o chamado capite velato, isto é, o cobrir a cabeça. Não em sinal de humilhação – como era o costume bíblico – mas para realizar orações e oficiar o serviço religioso; costume esse que pode ter dado origem ao hábito posterior do chazan (o condutor das rezas) cobrir sua cabeça nas sinagogas farisaicas. Sobre tal costume, o historiador e professor de ética religiosa David W.J. Gill afirma: "Tal imagem não é apenas visual, mas é encontrada na Res Gestae de Augusto, onde sua função como o pontifex maximus é enfatizada. Essa adoção de uma função sacerdotal foi adotada também por outros imperadores, e é assim que Nero é representado em uma estátua fragmentária em Corinto. Ele, semelhantemente, tem sua cabeça parcialmente coberta pela toga. Augusto claramente tem um papel específico em sua estátua. Ele é visto quer prestes a fazer um sacrifício ou a orar. Nem todos os presentes no sacrifício teriam que puxar sua toga sobre sua cabeça. Essa característica do chamado capite velato[cabeça coberta] era a marca iconográfica de um sacrificante presidindo sobre um ritual especificamente romano”. (The Importance of Roman Portraiture for Head-Coverings in 1Coríntios 11:2-16). Ao lado, uma imagem de Augusto com “capite velato”. Abaixo, um antigo mural representando um sacerdote romano vestido com “capite velato” (cabeça encoberta) conduzindo um serviço religioso. Ao lado desses, um chazan parush (condutor fariseu) da mesma forma. Por esta razão, associada à inexistência do costume nos tempos bíblicos, supõe-se que o costume romano possa ser a origem do costume farisaico. c) – Sha´ul (Paulo) e Corinto O contraste entre o costume bíblico e o costume romano é particularmente relevante para compreender o contexto de Curintayah Alef (1Coríntios) 11:4, onde Sha´ul (Paulo) afirma:´“Todo o homem que ora ou profetiza, tendo a cabeça oculta [m´kassai], desonra a sua própria cabeça”. É importante o leitor compreender que a expressão aramaica “kassai” significa literalmente algo que está “oculto/encoberto”. É análoga a raiz hebraica “kassá”, que significa a mesma coisa. Um exemplo dessa raiz pode ser visto em Bereshit/Gênesis 24:65, com Rikvah (Rebeca) quando se aproxima de Yitschak (Isaque): “Então tomou ela o véu e cobriu-se”. [tit´kas]”. O que fez Rivkah (Rebeca) aqui? Tomou um véu e ocultou-se, como era costume nupcial na região do oriente médio - aliás, costume que influencia até as práticas ocidentais da atualidade". Pode-se ver ainda um outro uso do termo: “Quando partir o arraial, Aron e seus filhos virão e tirarão o véu da tenda, e com ele cobrirão [vechissu] a arca do testemunho”. [Bamidbar/Números 4:5]. A arca era literalmente encoberta pelo véu, que a ocultava. Há muitos outros usos do termo, como por exemplo, o das águas cobrindo o mar (Isaías 11:9), a glória de YHWH cobrindo o Sinai (Êxodo 24:16), YHWH cobrindo os olhos de pessoas (Isaías 29:10), e assim por diante. O importante aqui é percebermos que a raiz traz sempre essa ideia de um encobrimento que oculta. Ou seja, pode-se entender que Sha´ul (Paulo) era contra o uso de chapéus, turbantes, etc.? Pode-se, ainda, supor que essa passagem é contrária ao uso da kipá? A resposta é não. O termo aqui não se aplica de forma alguma a qualquer desses elementos, e sim ao ato de encobrir a cabeça, como quem coloca um véu. Sequer faria sentido que Sha´ul (Paulo) considerasse esse costume condenável visto que não apenas o costume do uso de turbantes aparece nas Escrituras, como era comum também em meio a muitos povos da região. Não faria sentido, portanto, o escândalo com tal coisa. Sha´ul (Paulo) também não poderia estar se referindo à kipá. Por mais que essa última seja de origem pagã, esse costume não existia naqueles tempos, conforme será abordado mais adiante. Para entender Sha´ul (Paulo), é simples: Basta relembrarmos o que a Bíblia diz acerca desse ato. Como vimos, os homens encobriam suas cabeças em sinal de luto, vergonha ou humilhação. Seria, portanto, um grande choque para qualquer israelita da época ver homens orando com as cabeças encobertas. Imediatamente, um israelita pensaria que aquela congregação estava clamando por ter cometido um grande pecado, ou estaria entristecida com algo que lhe ocorrera. Vale relembrar que os israelitas dos tempos bíblicos costumavam compreender que se uma catástrofe havia lhes afligido era em razão de terem dado brecha por razão do pecado. Corinto tinha um alto número de convertidos não israelitas de origem, e certamente tais pessoas teriam estado habituadas ao costume romano do capite velato. Além de ser interpretado como um ato de humilhação, ainda poderia ser confundido com o costume das mulheres, que usavam véu regularmente nos serviços religiosos. Observando esse contexto, fica fácil compreender o que Sha´ul (Paulo) queria dizer. A conclusão da instrução de Sha´ul (Paulo) é exatamente a mesma que alguém teria de ler o Tanach (Primeira Aliança): Não se deve cobrir/ocultar a cabeça, exceto quando se está humilhado/entristecido. Isso inclui o uso do talit para cobrir a cabeça para fazer orações que, como visto, é muito posterior aos tempos bíblicos, e pode até mesmo ter sua origem no costume pagão de Roma. Se formos voltar às práticas bíblicas, o cobrir a cabeça (que poderia ser com o talit, por exemplo), caberia em um momento de jejum ou arrependimento de pecado, numa liturgia lamuriosa como no Yom Kipur (Dia da Expiação), ao orar por razão de uma tragédia, em momento de luto, enfim, algo dentro desse contexto, e não numa prática de oração e/ou cânticos de louvor a YHWH convencionais, do dia-a-dia. Mesmo assim, é importante que o leitor compreenda que esse era um costume bíblico, e não uma obrigação. A Bíblia jamais instrui que alguém que esteja se sentido humilhado, triste ou envergonhado é obrigado a cobrir-se com um manto. Tal prática, sendo assim, é totalmente opcional e fora da Lei de YHWH. V - A Literatura Judaica e a Evolução do Costume
E o que revela a literatura judaica sobre a questão do cobrir a cabeça? Abaixo, uma investigação detalhada da Mishná e do Talmud. a) - Na Mishná: Costume Cultural Unissex Na Mishná, que foi compilada no século 2 EC., não há qualquer registro de cobertura de cabeça para o povo com fins religiosos. Pelo contrário, a Mishná faz relatos de tais coisas como se fossem unicamente objetos de vestimenta comum. Aliás, vestimenta essa que era utilizada por homens e mulheres, indiscriminadamente: "As franjas de um lençol, um cachecol, um xale de cabeça, um chapéu de feltro… as franjas de uma capa grossa, um véu, uma camisa, ou uma capa… as franjas de um xale de cabeça de uma mulher idosa, ou os xales de rosto dos árabes, as vestes de pelo de bode dos cilícios, ou de um cinto de dinheiro, ou de um turbante ou de uma cortina são considerados conectivos independentemente de seu comprimento." (m. Kelim 29:1). Isso confirma a nossa observação de que, pelo menos até o século 2 EC. (e portanto igualmente nos tempos de Yahushua), não havia entre o povo sequer o conhecimento do uso de cobertura de cabeça para fins religiosos, nem mesmo entre os p´rushim (fariseus). b) - Costume Cultural, e Não Unânime Praticamente não há menção no Talmud, que foi compilado entre os séculos 3 e 6 EC., do hábito de cobrir a cabeça, que não seja apenas um hábito cultural. O Talmud chega a relatar, por exemplo, que os homens cobriam ou não a cabeça, culturalmente: "Os homens às vezes cobrem suas cabeças, às vezes não; mas o cabelo das mulheres está sempre coberto, e as crianças estão sempre com a cabeça descoberta". (b. Nedarim 30b) "Um [Baraita] ensinou: Um homem pode atar tefilin usando seu aparkesut [uma cobertura de cabeça que ia até o corpo] junto com seu dinheiro, enquanto outro ensina: Ele não deve amarrá-los!" (b. Berachot 23b). "Eles são confiáveis [apenas] acerca de pequenos vasos de barro para coisas sagradas… mesmo se a cobertura de cabeça [do oleiro] cair neles". (b. Chaguigá 26a) Uma situação curiosa é o apelido de um dos sábios do Talmud, que é chamado de “cabeça careca”, o que é mais um indício de que o hábito de cobrir a cabeça não era unânime na época: "Não foi ensinado: Ben Azzai diz: Todos os sábios de Israel são, em comparação comigo, finos como a casca do alho, exceto pelo cabeça careca?" (b. Bechorot 58a). c) - Em alguns casos: Hábito para Casados Outro hábito cultural citado pelo Talmud era o de que homens casados andassem com uma espécie de sudário (conforme o rabino Dr. I. Epstein, editor da edição Soncino do Talmud, explica em nota de rodapé para b. Kidushin 29b). Ou seja, um pano que era amarrado à cabeça, provavelmente semelhante a algum tipo de turbante. Mesmo esse hábito entre homens casados sequer era unânime, conforme o próprio Talmud deixa claro. Vejamos as citações: "R. Hisda louvou R. Hamnuna perante R. Huna como um grande homem. Ele lhe disse: 'Quando ele te visitar, traga-o a mim.' Quando ele chegou, ele viu que ele não usava cobertura [de cabeça]. Por que você não está usando cobertura de cabeça?' - perguntou ele. 'Porque eu não sou casado', foi a resposta." (b. Kidushin 29b). Percebe-se ainda, pelo relato acima, que o uso era apenas uma questão de pudor, provavelmente influenciada por alguma cultura adjacente, uma vez que nem a Bíblia, nem mesmo a Mishná, mencionam esse hábito em meio ao povo de Israel. E, como pode ser visto, a revolta de R. Jeremiah, e o comentário de Rabina, indicam que o hábito não era comum a todo o povo. d) - O Costume do Luto O Talmud também reconhece o hábito, mencionado na Bíblia, de se cobrir a cabeça (como quem se cobre com um manto) em caso de luto, e faz menção ao mesmo costume: "Raba disse: Um pranteador pode andar em sua cobertura [rasgada] dentro de casa [no Shabat.] Abaye encontrou R. Joseph entrando e saindo de sua casa, com sua cabeça coberta com um pano [no Shabat.]". (b. Mo'ed Katan 24a). Conforme já visto, o costume de cobrir a cabeça (como quem se cobre com um manto) era também um elemento cultural, extensível a outros povos do oriente médio. e) Seriam os Cohanim a fonte? O Talmud traz algumas discussões e relatos sobre a cobertura de cabeça dos cohanim (sacerdotes), porém são unicamente relatos descritivos, sem nenhuma colocação de que o hábito deveria ser estendido ao povo, ou mesmo a rabinos. Enfim, nada que sirva para elucidar o tema em voga. Mas, e quanto a outras menções de cobertura de cabeça para fins religiosos? Existem apenas quatro citações de cobertura de cabeça, com finalidade religioso. " Duas delas, referem-se a um mesmo caso, o de R. Huna, que viveu no século 3 EC., é o primeiro personagem que aparece no Talmud como sendo alguém que cobria a cabeça regularmente, por motivos religiosos. R. Huna Ben R. Joshua não andava quatro cúbitos com a cabeça descoberta, dizendo: A Shechiná está sobre a minha cabeça." (b. Kidushin 31a). R. Huna esperava, inclusive, uma recompensa celestial para esse fato: “R. Huna Ben R. Joshua disse: Que eu possa ser recompensado por nunca andar quatro cúbitos com a cabeça descoberta." (b. Shabat 118b). Só que existe um detalhe importante sobre R. Huna. Ele era um Cohen (sacerdote), conforme o próprio Talmud afirma em b. Arachin 23a. Considerando que nenhum outro acadêmico do Talmud aparece defendendo cobertura da cabeça por razões religiosas, não é difícil perceber que R. Huna se sentia obrigado a cobrir sua cabeça por ser um cohen (sacerdote). A Torá determinava, conforme vimos, que os cohanim (sacerdotes) usassem turbantes de linho. Todavia, a recomendação era unicamente para o serviço no Mikdash (Santuário), e não algo para o dia-a-dia. Provavelmente, R. Huna levou essa recomendação ao extremo. f) - A Influência Pagã é Admitida As outras duas citações do Talmud que mencionam uso religioso de cobertura de cabeça não são muito animadoras. A primeira delas se encontra em b. Shabat 156a. É importante que o leitor compreenda que este folio do Talmud se inicia debatendo o costume pagão de atribuir o destino aos astros. Depois de algumas discussões sobre isso, o Talmud narra: "De R. Nachman b. Isaac também [aprendemos que] Israel está livre de influência planetária. Pois a mãe de R. Nachman b. Isaac foi alertada por astrólogos: Seu filho será um ladrão. [Então] ela não o deixava [ficar] com a cabeça descoberta, dizendo-lhe: 'Cobre tua cabeça para que o temor dos céus esteja sobre ti, e ora [por misericórdia.]' Agora, ele não sabia o porquê ela dizia isso a ele. Um dia ele estava sentando e estudando sob uma palmeira; a tentação o sobrepujou e ele subiu e mordeu um cacho com seus dentes." (b. Shabat 156b). Vê-se aqui a influência da astrologia em meio ao povo. Essa influência já foi discutida em alguns de nossos materiais, em especial em nosso primeiro artigo sobre a origem pagã da Cabalá. Perceba que, ao ser alertada por astrólogos, a mãe do rabino Nachman, por ato de superstição, cobre a cabeça de seu filho, tentando assim protegê-lo da influência dos astros. Essa é exatamente a razão pela qual os babilônios, que viviam em constante temor da influência dos seus deuses-astros, cobriam suas cabeças! E justamente aqui, vê-se que quando sua cobertura de cabeça caiu, ele então foi vencido pela “influência dos astros” - algo que é completamente estranho às Escrituras, mas que está profundamente arraigado na cultura babilônia. A outra praticamente chega a admitir o sincretismo religioso: "Trazei as vestimentas para os adoradores de Ba'al. O que é meltaha? R. Abba b. Jacob disse em nome de R. Johanan: Algo que é delineado fino pela unha (ie. linho fino). Quando R. Dimi veio, ele disse em nome de R. Johanan: Bonias Ben Nonias enviou ao Rabi um sibni e um homes e salsela e malmela. O sibni e homes [dobravam] ao tamanho de uma noz e meia, e a salsela e a malmela ao tamanho de uma noz de pistache e meia. O que é malmela? Algo que a unha mede como fino.” (b. Guitin 59a). Aqui o Talmud menciona que um rabino recebeu de presente de uma pessoa uma vestimenta de um adorador de Ba´al! O mais interessante é o comentário do rabino Dr. I. Epstein, que aparece ao rodapé desse texto na edição Soncino: “Coberturas de cabeça feitas de linho. [O Aruch lê: subni e homes subni. Para subni cf.grego ** (sabanum) uma “cobertura de cabeça”; homes é derivado do grego ** (metade). Segundo essa leitura, ele lhe enviou um sabanum de tamanho cheio, e um sabanum de metade do tamanho. V. Krauss, TA I, p. 521.]”. Veja que interessante: O texto fala de cobertura de cabeça, e usa o termo “homes.” Esse termo vem do grego “hemi”, que significa literalmente “metade”, e é usada em termos como “hemisfério.” Porém, a aplica à cobertura de cabeça, além de associá-la aos adoradores de Ba´al, ou seja, a sacerdotes pagãos. Isso se encaixa totalmente com a descrição da cobertura de cabeça associada aos deuses gregos, que, como visto anteriormente, tem exatamente o mesmo formato da kipá, isto é, um formato de um hemisfério, ou seja, de metade de uma esfera! O leitor atento perceberá que, até o momento, não havia nenhuma menção nem no Talmud nem na Mishná sobre qualquer tipo de cobertura de cabeça semelhante à kipá. A única que existe, e que se pode deduzir uma semelhança estética com a kipá, é indicada pelo Talmud como pertinente a sacerdotes pagãos! O costume de cobrir a cabeça de forma litúrgica, especialmente com uma kipá, só começou a se expandir pelo Judaísmo por volta do final do século 7 ou início do século 8, mesma época que marcou a expansão da Cabalá, cuja origem, como vimos, também remonta aos mistérios de Mitra. A importação do costume da kipá a partir do paganismo é admitida abertamente pelos p´rushim (fariseus). O rabino ortodoxo Rudolph Brash, em sua obra “The Star of David”, afirma: "O paradoxo reside no fato de que essa prática (de cobrir a cabeça), considerada fundamentalmente judaica e santa pela tradição antiga, na realidade é pagã, e em termos de cronologia judaica, comparativamente moderna. A verdade é que a prática de cobrir a cabeça foi copiada do seu ambiente pelos judeus babilônios. Esses judeus babilônios levaram o seu costume para os litorais da Espanha no século 8 EC., quando ele se tornou firmemente estabelecido. Contudo, ao mesmo tempo em outros cantos da Europa, era desconhecido. A história registra que, na mesma época, jovens [judeus] alemães eram chamados para a leitura da Torá com a cabeça descoberta. A cobertura da cabeça, apesar de naquele momento ser praticada na Espanha e em Portugal, não tinha tomado raiz no leste ou norte da Europa. Um famoso rabino do século dezesseis, o rabino Moses Isserles, cuja obra está inclusa no livro 'O Código da Lei Judaica - o Shulchan Aruch', ensinava que 'a cobertura da cabeça não poderia ser considerada um princípio religioso.' Ainda mais recentemente, no século dezoito, a eminente autoridade judaica, rabino Eliyah Gaon de Vilna, afirmava: 'De acordo com a Lei Judaica, é permitido entrar numa sinagoga sem cobrir a cabeça”. De fato, a história confirma que os primeiros a adotarem o costume da kipá, no século 8, foram os judeus sefaradim, na Península Ibérica. Na época, o costume era completamente estranho à prática dos judeus ashkenazim, que continuavam a rezar com suas cabeças descobertas. Pouco a pouco, o costume foi ganhando força no meio judaico, até se tornar bastante presente em todas as comunidades. Contanto, o costume só ganhou status definitivo de obrigatoriedade religiosa com o Shulchan Aruch, no século 16, quando, baseado na prática que vimos de R. Huna no Talmud, afirmou que um homem não pode andar mais do que quatro cúbitos com a cabeça descoberta (Orach Chayim 2:6.). VI - Onde está a verdadeira identidade? É no mínimo bastante curioso observar que até mesmo em congregações de seguidores de Yahushua que restauram as raízes da Palavra de YHWH da fé, obriga-se os homens a fazerem uso da kipá, algo que não só apenas se tornou obrigatório no meio judaico a partir do século 16, como ainda é de origem pagã. Essa obrigação é anacrônica (nenhum judeu do primeiro século usava tal coisa), abominável (por ter sua origem na prática babilônia), além de ser uma exigência que a Palavra de YHWH jamais impôs a ninguém. É triste também observar que muitos usam a kipá, considerando-a um símbolo de judaicidade - embora não seja, pois outros grupos religiosos com costumes que também derivam do Mitraísmo também façam uso dela, tal qual os padres romanos, e os zoroastristas. Em contrapartida, existe um número muito menor de pessoas que faz uso regular dos tsitsiyot, as franjas que a Torá determina em Bamidbar (Números) 15 e em Devarim (Deuteronômio) 22. Essas sim são um símbolo do povo de Israel, determinado por YHWH, para aquela época.
VII - E agora, o que fazer? Talvez alguns leitores, após tomarem contato com este material, sintam-se em situação delicada, por terem que ir a um local que exija que a cabeça esteja coberta. Se alguém, por exemplo, for convidado a assistir a um casamento judaico, ou a falar sobre Yahushua e/ou a Torá em uma sinagoga que tenha esse hábito. O que fazer, nesse caso? VIII - Conclusões Abaixo, um resumo do que foi abordado neste estudo: * A kipá, ou solidéu, não é um símbolo judaico, mas tem sido usada por vários grupos étnicos de diversas religiões pagãs. * A kipá, ou solidéu, não se originou em meio a Israel, e sim na cobertura das tonsuras, na região da Mesopotâmia, em conexão à adoração ao deus-sol. * A kipá, ou solidéu, foi importada por diversas religiões, a partir de seu contato com a cultura babilônia, especialmente com os mistérios do Mitraísmo. * Nos tempos bíblicos, os israelitas comuns não tinham por hábito cobrir a cabeça para fins religiosos. * A cobertura de cabeça que aparece nas Escrituras era fundamentalmente um turbante. * YHWH ordenou que os cohanim (sacerdotes) usassem turbantes de linho simplesmente porque isso indicava status social na região do Oriente Médio, e com isso o povo os identificaria como líderes escolhidos. Não há, nas Escrituras, a ideia de que tal coisa significasse “temor dos céus.” * Nem Yahushua, nem seus seguidores, usavam kipá ou qualquer cobertura de cabeça para fins religiosos. Essa prática só surge no Judaísmo entre os séculos 3 e 6. * A prática só tomou volume no final do século 7, ou início do século 8, entre os judeus sefaradim. Ainda assim, a prática era desconhecida pelos ashkenazim. * A Bíblia ressalta que o cobrir a cabeça com um manto era sinal de vergonha, humilhação ou tristeza. * O costume de cobrir-se com o talit (especialmente no caso do chazan) para orações convencionais vai contra o costume bíblico, e era desconhecido no Judaísmo antigo e na Palavra de YHWH. Esse costume pode ter se originado no costume romano, pois é a marca do antigo sacerdócio romano. * Pelas razões acima citadas, além de não se usar kipá, deve-se também evitar cobrir a cabeça com talit. "Todo o homem que ora ou profetiza, tendo a cabeça coberta, desonra a sua própria cabeça". [1Coríntios 11: 4] Por Sha´ul Bentsion Fim www.igrejadedeusemsaopaulo.org.br |