O que faz de Jerusalém uma cidade tão sagrada

O reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel pelos EUA pode causar prejuízos ao processo de paz no Oriente Médio (Foto: Thomas Coex/AFP

O que faz de Jerusalém uma cidade

tão sagrada e disputada

Desde o início do século 20, árabes e judeus querem transformar Jerusalém na capital da Palestina e de Israel, respectivamente; histórico de confrontos no Oriente Médio, contudo, é milenar e mescla disputa por território e herança religiosa.

Árabes e judeus travam uma intensa disputa desde o começo do século 20 para transformar Jerusalém em capital da Palestina e de Israel, respectivamente. Mas esse conflito, que faz do Oriente Médio um centro permanente de tensão, é apenas mais um capítulo de uma história que mescla confrontos por território e heranças sagradas há milênios.

Jerusalém já foi ocupada, destruída, sitiada, atacada e capturada muitas vezes por diferentes povos, entre eles egípcios, babilônios, romanos, árabes e judeus em cerca de três mil anos de história. Também foi santificada por cristãos, judeus e muçulmanos, que veem na cidade o berço dessas religiões.

A aparente convivência harmônica entre os bairros judaico, mulçumano, cristão e armênio na Cidade Velha, cercada por muros em Jerusalém Oriental, contudo, não é um indicativo de que o atual confronto está perto do fim.

A comunidade internacional espera uma escalada de confrontos na região com o anúncio do presidente Donald Trump de que os EUA reconhecem Jerusalém como capital de Israel, ocorrido nesta quarta-feira. Já segundo Trump, a medida "é uma condição necessária para atingir a paz".

"Nós não estamos próximos de um acordo de paz duradouro, seria uma loucura assumir que a repetição da mesma fórmula possa conquistar algo diferente", discursou Trump, em defesa de sua decisão de alterar o status da cidade.

Mas como essa cidade de 150 quilômetros quadrados, área pouco menor que a de Natal, capital do Rio Grande do Norte, tornou-se a mais sagrada e disputada do mundo por tantos milênios?

Heranças religiosas

Jerusalém foi erguida no alto do Monte Moriah. Para os cristãos, esse foi o palco da paixão de Cristo, onde Jesus foi crucificado, morto e sepultado. Para os muçulmanos, é o lugar onde o profeta Maomé ascendeu aos céus. Já segundo a tradição judaica, a cidade fundada pelo rei Davi é o local onde foi construído um templo guardar a Arca da Aliança, onde estariam as tábuas dos Dez Mandamentos.

Por isso, até hoje Jerusalém atrai peregrinos de diferentes religiões em busca de lugares sagrados.

Na Cidade Velha, é possível percorrer, por exemplo, as 14 estações pelas quais se acredita que Jesus passou carregando a cruz até Igreja do Santo Sepulcro; visitar a mesquita de Al-Aqsa e se deslumbrar com a Cúpula da Rocha; e, ainda, depositar votos de fé no Muro das Lamentações, um pedacinho do Templo de Jerusalém erguido por Herodes e cercado por sinagogas.

Disputas por território

Parte das disputas na região está relacionada à crença de fiéis de que seus antepassados chegaram primeiro à região onde hoje fica Jerusalém ou mesmo de que a ligação com a cidade é mais legítima.

Apesar de haver indícios de que o local já era habitado em 3200 a.C., ninguém sabe ao certo quem foram os primeiros a ocupá-lo. 

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Durante campanha presidencial, Donald Trump anunciou que iria transferir a embaixada dos EUA de Tel Aviv para Jerusalém, o que deve acontecer em breve (Foto: Jack Guez / AFP)

A história de conflitos na região envolveu, no fim do século 7a.C. egípcios e assírios e, em séculos seguintes, babilônios e persas, gregos, romanos, turcos e otomanos.

Os confrontos forçaram a diáspora judaica e Jerusalém foi controlada por muçulmanos por séculos a fio até o final da 1ª Guerra Mundial e o fim do Império Otomano. A partir daí, franceses e britânicos ocuparam a região, redefinindo fronteiras.

O confronto entre judeus e palestinos

No começo dos anos 1920, a região da Palestina passou a ficar formalmente sob o comando do Reino Unido e, com apoio dos britânicos, judeus de todas as partes do mundo começaram a voltar à Terra Santa, migrando para o território do atual Estado de Israel.

Jerusalém foi capital do Mandato Britânico da Palestina até 1948. Um ano antes, a Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas) decidiu pelo plano de partilha da Palestina entre um Estado árabe e outro judeu, Jerusalém foi designada como "corpus separatum" (corpo separado), sob controle internacional. O plano, porém, não chegou a ser implementado.

Em 1948, foi declarada a Independência do Estado de Israel e, logo em seguida, a guerra árabe-israelense. Ao final daquele conflito, Jerusalém foi dividida, com a parte ocidental sob controle de Israel e a parte oriental controlada pela Jordânia.

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A Cúpula da Rocha, em Jerusalém, é um dos lugares mais sagrados do Islã (Foto: Rede Globo)

Depois da Guerra de Seis dias de 1967, Israel capturou a parte oriental da cidade e, desde então, vem construindo assentamentos em Jerusalém Oriental. Esses assentamentos são considerados ilegais pela comunidade internacional, posição que é contestada pelo governo israelense.

Os palestinos, por sua vez, reivindicam que Jerusalém oriental é a capital palestina. Esse pleito faz parte das tratativas de acordo de paz para tentar criar um Estado palestino ao lado de Israel.

Estima-se que um terço da população de Jerusalém seja composto por palestinos e muitos são de famílias que estão na região há séculos.

Enquanto árabes e judeus enfrentam dificuldades de executar o plano de partilha da Palestina conforme determinado pela ONU, as ações militares na região nunca cessaram.

Reações contra Donald Trump

Na tentativa de manter a neutralidade e não influenciar diretamente o já complicado acordo de paz na região, a comunidade internacional nunca reconheceu a soberania de Israel sobre a cidade. A maioria dos países, por exemplo, estabeleceu representações diplomáticas em Tel Aviv e arredores, mas não em Jerusalém.

Por isso, o anúncio do reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel por Donald Trump e a possível mudança da embaixada têm sidos criticados até mesmo por aliados dos EUA.

No Oriente Médio, a Arábia Saudita e o Egito se manifestaram contra. O primeiro-ministro turco Binali Yildirim disse que "Jerusalém é um assunto delicado para o mundo islâmico. Nossa expectativa e esperança nesse assunto é que nenhum passo seja dado. Imposições e maus passos podem levar a consequências irreversíveis".

O presidente da França, Emmanuel Macron, teria alertado a Trump, por telefone, que reconhecer Jerusalém como capital de Israel seria má ideia. Até mesmo o papa Francisco se manifestou pedindo que o status atual seja mantido.

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