A Bíblia. Livros do Antigo Testamento. Livros Proféticos
A Bíblia. Livros do Antigo Testamento. Livros Proféticos
Conteúdo: O Profetismo. Isaias. Jeremias. Baruc. Ezequiel. Daniel.
Profetas menores: Oséias. Joel. Amos. Abdias. Jonas. Miquéias. Naum. Habacuc. Sofonias. Ageu. Zacarias. Malaquias.
Com os profetas, o Antigo Testamento alcança o ápice, seja como valor espiritual absoluto, seja como preparação para o Novo Testamento. Os profetas eram homens que Deus investia diretamente do seu espírito para uma missão espiritual no seio do seu povo, em tempos de perigo ou de necessidade religiosa e moral. Tornavam-se assim, guias espirituais do povo de Israel, pelo mesmo titulo com que outrora os juizes suscitados por Deus, eram os chefes políticos e militares, os libertadores no tempo de aflição.
Embora tenha havido pessoas dotadas de espírito profético desde as origens do povo hebreu (cf. Gên. 20:7; Núm. 11:25-26; Dt. 34:10), contudo, somente a partir de Samuel esses homens inspirados por Deus, e por ele enviados ao povo sucedem-se com tal freqüência, que chegam a formar uma cadeia ininterrupta durante cerca de seis séculos (aproximadamente desde 1050 a 450 a.C., Cf. 1 Sam. 3:1).
Considerando o exercício do ministério profético, este longo intervalo de tempo divide-se em dois períodos sensivelmente iguais. Nos três primeiros séculos, isto é, até por volta de 750 a.C. temos os profetas de ação, como, por exemplo, Elias (1Rs-2Rs 2), que pregam energicamente, mas não escrevem, ao passo que os profetas escritores viveram todos nos séculos seguintes: são os profetas cujos vaticínios ou mensagens nos foram transmitidos por escrito. Estes últimos costuma-se dividi-los, com base na extensão de seus escritos, em duas categorias: Profetas Maiores e Menores. Os primeiros são, por ordem cronológica, Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel (sobre este último, porém, confronte-se a introdução ao seu livro. Os Menores, em número de doze, foram por algum tempo reunidos num só volume, em ordem aproximadamente cronológica, ou, ao menos, na que era julgada tal.
Objeto da pregação tanto dos profetas de ação como dos escritores, era defender a pureza do monoteísmo javista contra as contaminações ou infiltrações idolátricas, concitar o povo à santidade dos costumes, exigida pela lei divina, combater as desordens sociais, principalmente a opressão dos humildes, opor-se ao formalismo religioso, inculcando o primado do espírito interior sobre os ritos externos, anunciar a cada cidadão e a toda a nação os tremendos castigos de Deus, em conseqüência das culpas cometidas, como também oferecer a perspectiva de um futuro melhor, fruto do arrependimento, porvir radioso, o mais das vezes compendiado em termos esperançosos e genéricos de paz e de salvação.
Nesta ordem de idéias, própria dos profetas escritores, apresenta-se-nos a majestosa e cativante figura de um descendente de Davi, mediante o qual se realizarão as venturosas promessas. Ele é o Salvador dos povos, o restaurador da religião e da justiça, o soberano de um reino eterno de paz. Os profetas designam-no com diversos nomes ou títulos: Emanuel, Servo de Javé; Rebento de Davi, Davi por antonomásia, Germe divino etc. Somente uma vez (Dan. 9:26) é denominado com o apelativo de Masiah, ou Messias, que mais tarde se tornará termo técnico e pessoal. Compreende-se, assim, como os apóstolos citem freqüentemente no Novo Testamento os vaticínios dos profetas para provar aos judeus que o Messias que eles preanunciaram é o seu Mestre, Jesus de Nazaré.
Esse prenúncio constitui o ponto alto da missão dos profetas. Mas não se limita a isso, como, tampouco, à predição do futuro em geral, se limitaria a missão própria dos profetas, como erroneamente poder-se-ia deduzir deste vocábulo vernáculo, derivado do grego. Em hebraico, o termo correspondente é "nabi," que, propriamente, significa um arauto (da divindade), um mensageiro. Os profetas eram, pois os porta-vozes de Javé, que transmitiam ao povo aquilo que Deus lhes ordenava transmitir; eram os pregoeiros da mensagem divina à nação ou aos indivíduos. O termo mais comum para indicar a mensagem divina era também o mais amplo: "a palavra de Javé," que no seu objeto desconhece limites.
Deus, portanto, falava aos profetas, os quais, por sua vez, transmitiam sua palavra aos homens. De que maneira e por quais caminhos chegava a palavra divina a esses espíritos de eleição, é um segredo da mística sobrenatural. Em muitos casos, porém, eles mesmos no-lo revelam em seus escritos. Assim, descrevem-nos as, visões com que foram favorecidos (Is. 6; Ier. 1:11-19; Ez. 1-6; Am. 7-8; Zac. 1-6), mediante uma ação sobrenatural, exercida quer sobre os sentidos exteriores, quer sobre a imaginação e as faculdades interiores. Outras vezes era uma voz que lhes falava, de maneira semelhante, seja sensivelmente, seja mediante uma ação interior. O objeto da revelação podia apresentar-se-lhes na sua realidade direta, como em Is 6, ou por meio de símbolos, como em Am 7-8. Outras vezes a lição era sugerida pela observação de um fato sensível, como em Jer 18. Na maioria das vezes, porém, havia uma iluminação direta da mente do profeta. Sempre, porém, este percebia que Deus lhe falava, e era da indesmoronável convicção da origem divina do seu mandato que hauria uma força sobre-humana, capaz de vencer qualquer obstáculo (cf. Is. 50:4-8; Jer. 1:17-19; 20:7-12; Ez. 3:8-9; Am. 3:7-8; 7: 12-17).
A mensagem divina era comunicada, em geral, mediante a pregação (cf. Jer. 7:1-15), outras vezes, mediante uma ação simbólica, realizada publicamente, com a finalidade de causar maior impressão sobre o povo (Is. 20; Jer. 13;19; Ez. 4-5). Já no segundo período, as mensagens proféticas passavam mui freqüentemente da pregação viva para o escrito (cf. Jer. 36) e então assumiam facilmente forma mais literária, geralmente mais concisa e muitas vezes eram exaradas ou refundidas em formas poéticas mais apuradas, que juntavam à fascinação da beleza poética a vantagem de imprimir mais facilmente a palavra divina na memória. É até provável que, unindo ao verso a melodia, muitos desses poemas fossem cantados pelas praças e ruas, por zelosos discípulos dos profetas, para fins de propaganda.
Ao passarem, pois, da pregação oral para a escrita, esses "homens de Deus" (título honroso, reservado por antonomásia aos profetas; cf. 1 Sam. 2:7 ; 9:6; 1 Rs. 13:1; 17:18; 2 Rs. 4:7 etc). recebiam um carisma especial de inspiração, que conferia a seus escritos o valor de livros sagrados, dignos de ser inseridos no cânon das Escrituras divinas. Essa inspiração recebe esse caráter específico do seu termo, a escrita, que faz com que a palavra seja fixa, duradoura e imutável, o que a expressão oral não é. Na sua natureza de oráculo divino não difere, porém, da inspiração profética comum. É por isso que os teólogos, como Sto. Tomás de Aquino (Suma Teológica, 2a-2a, q. 171-178) costumavam tratar da inspiração bíblica juntamente com o carisma profético, e os antigos Padres chamavam freqüentemente "profeta" a qualquer escritor bíblico, porque inspirado.
O profetismo ergue-se, portanto, paralelo à lei e, juntamente com ela, sustém o edifício sagrado da religião hebraica, quer em função social no seio do povo de Israel, quer como monumento literário no Livro divino, a Bíblia. Daí a razão por que em linguagem bíblica, de modo especial no Novo Testamento, é de uso corrente o binômio "Lei e Profetas" para indicar todo o Antigo Testamento (cf. Is. 2:3; 2 Mac. 15:9; Mt. 11:13; Lc. 24: 27 etc.).
O profetismo era uma instituição divina em Israel, prevista e aprovada pela lei (Dt. 18:15-20). O profeta, porém, recebia diretamente de Deus a investidura de sua missão, independente da aprovação da autoridade civil ou do sacerdócio (cf. 1 Rs. 18:16-18; Jer. 1:17-19; Am. 7:10-17). Testemunha de que Deus lhe tinha falado e de que o enviava, era o profeta mesmo, e devia ser acreditado na sua palavra. Garantia suficiente da sua sinceridade e da sua vocação divina, era sua pureza de vida e de doutrina, ou, em alguns casos, a realização de seu vaticínio (Dt. 13:1-3; 18:21-22). Foi assim que já no limiar do Novo Testamento apresentaram-se às turbas de Israel, João Batista e Jesus de Nazaré. Continuação e coroamento da antiga mensagem profética foi a mensagem evangélica.
Nas Bíblias de língua hebraica e latina, o livro de Isaías costuma figurar em primeiro lugar na série dos livros proféticos. Não tanto por ser o mais antigo entre os Profetas Maiores ou por ser o livro ao qual empresta o nome um dos mais extensos, mas sobretudo porque excede a todos os outros pela quantidade e grandiosidade dos vaticínios messiânicos.
Julga-se que o profeta Isaías tenha nascido em Jerusalém, de família nobre, pois encontramo-lo continuamente em contato com a corte e com pessoas influentes do reino. Era casado e tinha pelo menos dois filhos, aos quais deu nomes proféticos (7:3; 8:3), como, aliás, era o seu próprio nome, cujo significado é "Javé salva." No ano 738 foi chamado ao ministério profético mediante uma célebre visão (cap. 6), que teve imensa repercussão na teologia e na liturgia. A partir de então vemo-lo ao lado dos reis de Judá, Acaz e Ezequias, animando-os na dura crise que atravessava a nação, assegurando-lhes a proteção divina em virtude das promessas feitas a Davi. Após o ano 700 perdemo-lo de vista.
Relativamente às condições políticas, morais e religiosas de Jerusalém e de Judá nos tempos de Isaías, temos notícias abundantes em 2 Rs. 15-20 e 2 Crôn. 26-32, além das reflexões do presente livro. O longo e benéfico reinado de Azarias ou Ozias (cf. 2 Rs. 15:1), que tão grandemente favoreceu a agricultura e o comércio no reino, trouxe com a prosperidade também o luxo e a despreocupação, fatores de corrupção e conseqüentes desventuras. As baixas camadas populacionais eram descuidadas, oprimidas pelos ricos e potentados. A prática da religião exteriorizava-se em numerosos atos públicos de culto, em funções litúrgicas, mas era destituída de sincero sentimento interior e de vida moral correspondente. Pior ainda, ao lado da legítima religião monoteísta, do javismo puro, vicejavam práticas abominadas pela lei, e até mesmo atos de idolatria, especialmente depois que o crescente poderio assírio prestigiou os cultos babilônicos, favorecendo-lhes a penetração entre as populações palestinenses. O reinado de Ezequias promoveu uma ação enérgica e salutar contra essas aberrações. Mas as suas sábias reformas não tiveram grande duração nem penetraram totalmente na sociedade judaica. Durante o reinado de seu degenerado filho e sucessor, Manassés, grassou mais do que nunca a corrupção na religião e nos costumes. À propagação do mal opôs-se em vão a voz enérgica dos profetas; não eram atendidos. Chaga tão maligna só podia ser curada com um tratamento radical. E eis os profetas, especialmente Isaías, a anunciar os castigos divinos, que se sucederiam implacáveis, até quase o aniquilamento da nação culpada. Mas do terrível cadinho sairá um pequeno resto, completamente purificado, germe sagrado de um povo novo. E a nação ressurgida e transformada gozará de paz sem fim e de bem-estar invejável. Esta, em linhas gerais, a mensagem do profeta.
Instrumento da catástrofe, humanamente tão terrível, mas ao mesmo tempo, por disposição divina, tão salutar, devia ser o poderoso monarca do vizinho setentrião, primeiro o assírio, depois o babilônico. Contra a ameaçadora arrancada do temível colosso ergue-se o Egito, seja para defender a própria independência, seja pela saudosa ambição dominar, como outrora, a Palestina e parte da Síria. Espremidos entre os dois poderosos contendores, os pequenos estados do Oriente próximo viam-se na contingência de se arranjarem como podiam. Daí a formação, particularmente em Jerusalém, de dois partidos opostos, um propenso a negociar com a Assíria, outro a formar com a oposição encabeçada pelo Egito. Isaias, em nome de Deus, pregava a neutralidade, combatia toda a esperança fundamentada nos homens e incitava a pôr toda a confiança em Javé, fundador e protetor da nação. A esta política, ao mesmo tempo prudente e corajosa naquelas circunstâncias, o profeta animava o rei Ezequias, mesmo depois que, com a queda do reino de Efraim (queda da Samaria em 721 a.C). o perigo para o reino de Judá, menor e mais fraco, apresentava-se mais ameaçador. Graças a essa política, o pequeno reino saiu ainda incólume da tempestade (701 a. C.), naufragando em novo embate somente após mais de um século (587).
Jeremias é o mais simpático dos profetas e também aquele de quem possuamos notícias mais abundantes, quase todas transmitidas por seu próprio livro.
Nascido por volta do ano 646 a.C., em Anatot, nas proximidades de Jerusalém, de família sacerdotal e já predestinado ao ministério profético (Jer. 1:5), no décimo terceiro ano do reinado de Josias (626 a.C). foi chamado por Deus e por ele enviado a levar a sua mensagem aos reinos e às nações, mensagem em que predominam as ameaças e as ruínas, mas que é rica também de promessas de restauração (1:9-10). Apesar da relutância por parte de sua índole bonachona e um pouco tímida, o jovem Jeremias respondeu ao apelo divino com generoso espírito de sacrifício, acrescido em face das oposições que lhe foram preditas (1:17-19) e do celibato que lhe foi imposto por expressa ordem divina.
Sua atividade desenvolveu-se nos momentos mais críticos da nação judaica, num período dos mais convulsionados do antigo Oriente semítico. Conheceu o colapso do poderio assírio e o nascimento do segundo império babilônico, que cedo iria destruir a bruxuleante chama da independência de Israel. No interior da nação, as condições religiosas e sociais não eram menos inquietantes. Ao iniciar Jeremias o seu ministério, perduravam ainda os péssimos efeitos do nefando reinado de Manassés, que abrira as portas às infiltrações idolátricas na prática religiosa do povo de Israel (2 Rs. 21:2-6). Foi contra essas aberrações e contra o formalismo religioso que o profeta teve de bradar, principalmente nos primeiros anos de sua pregação (Jer. 1-6), e não apenas nesses anos. Realmente, embora o piedoso rei Josias tivesse iniciado, a partir do ano 621, com zelo enérgico a purificação do país de todo o vestígio de idolatria, repristinando, com a concentração do culto no templo de Jerusalém, a observância da lei mosaica em todo o seu vigor, todavia, a morte trágica e prematura do próprio Josias (609 a.C). decretou um fim rápido para essa rígida reforma. Durante este decênio, satisfeito com secundar a ação governativa, Jeremias parece conservar-se por detrás dos bastidores (nenhum discurso seu deste tempo nos foi transmitido); depois, deplorada a morte do rei com elegias que infelizmente não chegaram até nós (2 Crôn. 35: 25), ele entra de novo em cena com energia ainda mais vibrante, profligando os vícios renascentes sob os sucessores de Josias, não poupando sequer os poderosos, os sacerdotes, os profetas mendazes, aduladores do povo ou de partidos. Muitos males trouxe-lhe esta pregação desassombrada, porque os poderosos alvejados por ele não lhe pouparam violências, perseguições, vilipêndios, cárceres (Jer. 20:1-3.7; 26:7-24; 32:1-2; 37;38).
No plano político, encontrou-se Jeremias em idêntica posição à de Isaías (cf. p. 796). Renovava-se o contraste entre o Egito e o império oriental, nas mãos dos babilônios ou caldeus. Ante a avançada ameaçadora destes, Jeremias recomenda, em nome de Deus, a aceitação e a submissão aos novos senhores. Mas o forte partido da oposição incitava à resistência, apoiando-se novamente no Egito, e quis abafar a voz do profeta já malvisto, lançando-o numa escura prisão (Jer. 37:38), donde foi libertado, após a tomada da cidade, pelos caldeus, que, conhecedores dos seus sentimentos, tomaram-no sob a sua proteção (40:1-6). Nem mesmo isto, entretanto, lhe valeu algo contra o cego furor dos egiptófilos, que, conseguindo escapar dos caldeus, asilaram-se no Egito, arrastando consigo, à força, o desditoso profeta (43:1-7). Também ali, fiel à ordem divina, Jeremias continuou a missão de corrigir costumes e pacificar os espíritos entre seus compatriotas (44).
Jeremias possuía um coração extremamente sensível, e o patético, quer do amor quer do sofrimento, atinge às vezes o ápice no seu livro. A ternura de Deus para com o seu povo e a mágoa de se ver por ele não correspondido, o esmagamento do profeta ante a ruína moral e política de sua amada nação, as alegrias pela reconciliação e o feliz reflorir, fazem vibrar as cordas mais íntimas do seu coração. A alma comovida de Jeremias irrompe então em calorosas estrofes de lirismo sublime e comovedor. Se em grandiosidade de imagens, vôos de fantasia e esplendor de fraseado cede o lugar a Isaías, no que tange à espontaneidade e à intensidade de afeto, Jeremias supera a todos os poetas hebraicos.
A respeito de Baruc, associado ao ministério de Jeremias, temos notícias seguras no livro deste profeta, especialmente nos cc. 36,43,45. Sabemos daqui que foi arrastado à viva força pelos judeus rebeldes, juntamente com Jeremias, para o Egito (Jer. 43:5-7), mas do confronto de Jer. 44:28 com 45:5 podemos deduzir que mais tarde retornou à Judéia, donde pôde ir à Babilônia para consolar os exilados. Ali, efetivamente, o encontramos no início do pequeno livro que traz o seu nome. Este compõe-se de três partes, nitidamente distintas:
1a Prece pública, em prosa ritual (1:1-3:8): a nação em peso reconhece ter merecido tantas desgraças e o próprio exílio, por causa dos pecados pessoais e dos antepassados; pede misericórdia e a cessação de tantos males.
2a Elogio da sabedoria, em elevado estilo poético (3:9-4:4): na lei divina, que é concretamente a mais elevada sabedoria, está a verdadeira glória e felicidade de Israel; o exílio foi causado pelo abandono da mesma; cumpre voltar à perfeita observância da lei.
3ª Deplorada a amargura do exílio, anuncia-se a alegria do repatriamento (4:5-5:9), em prosa cadenciada, que, pelo fundo, recorda Is. 40-66 e, pela forma, o estilo de Jeremias, oscilando, freqüentemente entre a poesia e a prosa.
Como se vê, as três partes acham-se ligadas entre si pelo fundo histórico do argumento e sucedem-se em certa ordem lógica. No tocante à qualidade literária e à composição diferenciam-se, entretanto, notavelmente, de sorte que o exame intrínseco não oferece razões decisivas que abonem a unidade de autoria de todo o livro. O testemunho extrínseco, dado no texto 1:1, para a atribuição a Baruc, vale somente para a primeira parte, a qual está tão impregnada do fracasso de Jeremias, que, negá-la ao secretário do profeta, é o que de mais irrazoável possa haver.
Menos rica, mas não isenta de contatos com o livro de Jeremias, é a terceira parte. Nada nos diz a respeito o belo poemeto central.
Todas as três partes foram originariamente escritas em hebraico, entre 582 e 540 a.C., aproximadamente. Provam-no as numerosas alusões ao exílio babilônico e os diversos equívocos das antigas versões, explicáveis unicamente por uma leitura ou interpretação incorreta de uma palavra hebraica, coisa que se nota igualmente em todas essas versões. O texto hebraico original, porém, foi perdido. Para nós, toma-lhe o lugar a versão grega dos LXX. Em segundo lugar vem a Pessitta siríaca, que também deriva do hebraico. Na Vulgata temos uma antiga tradução latina feita à base do grego e não retocada por S. Jerônimo.
Os judeus da Palestina excluíram Baruc do rol dos livros sagrados, e nisso foram seguidos também por alguns Padres da Igreja, na antigüidade, e por todos os protestantes. Acolheram-no, ao invés, os judeus da diáspora, anexando-o ao livro de Jeremias no volume dos profetas maiores. Desta crença e costume tornou-se herdeira a Igreja cristã, razão por que vemos, desde o fim do séc. II, os Padres Atenágoras, Irineu, Clemente Alexandrino, citarem as palavras de Baruc com o nome de Jeremias. Nos cânones bíblicos das Igrejas do Oriente e do Ocidente, nos séculos seguintes, o mais das vezes Baruc não é especificado (como também as Lamentações), justamente porque compreendido com Jeremias. O cânon do Tridentino nomeia-o expressamente: "Jeremias com Baruc." Destarte elimina-se qualquer dúvida acerca do caráter divinamente inspirado deste opúsculo, tão breve quão rico de doutrina, não lhe faltando mesmo algumas raras belezas literárias.
Ezequiel, pertencente à linhagem sacerdotal, viveu, como Jeremias, no período mais tormentoso da história hebraica.
Em 598/97 a.C., antes de ter completado 30 anos, foi deportado de Jerusalém para a Caldéia, juntamente com o rei Joiakim (ou Jeconias) e mais dez mil pessoas entre nobres, guerreiros e artesãos. Permaneceu no exílio até à morte, ocorrida entre os anos 571 a 561 a.C.
Jerusalém não fora ainda destruída, porque o rei Joiakim, tendo sucedido a seu pai Joiaquim (talvez assassinado quando o exército de Nabucodonosor se aproximava da cidade santa), rendera-se ao cabo de três meses de assédio.
Todavia, a deportação da corte e do escol da população enfraqueceu-a sobremaneira, constituindo uma lição tremenda, mas infelizmente inútil. Entre a população deixada no país, sob o governo de Sedecias, nutriam-se veleidades de independência, que explodiram em aberta rebelião no ano 588, causando finalmente a tomada e a destruição de Jerusalém e do seu templo (Jer. 37:39 e 52).
Todas as visões do profeta exilado, como as de Jeremias, que permaneceu na pátria, vendo e vivendo o trágico destino da cidade santa, vinculam-se intimamente a esses acontecimentos. Ambos os profetas vêem e anunciam continuamente, em todas as formas, o futuro imediato, imersos na angústia de ver um povo que não lhes presta ouvidos e se atira ao báratro.
A própria morte da esposa de Ezequiel, lembrada pelo profeta, tornou-se um símbolo da ruína de Jerusalém e do templo, ocorrida na mesma época. Não faltam, porém, alguns clarões que permitem visões longínquas, as quais se multiplicam e até se tornam constantes, quando aos primeiros deportados se juntou a avalanche dos novos, trazendo gravados no espírito os horrores do cerco, do morticínio e da deportação.
Ao contrário de Jeremias, que tem páginas patéticas, transbordantes de extrema sensibilidade, Ezequiel é, muitas vezes, áspero, duro, quase desapiedado. Mas as suas predições e ações simbólicas, bem como as suas mortificações voluntárias, para inclinar, se possível fora, Israel a uma conduta de fidelidade para com Deus e a uma sabedoria política, são inspiradas por um coração magnânimo e forte ao mesmo tempo, baseado na fé, na dedicação ao seu povo e no amor à pátria.
Em seu estilo abundam as ações simbólicas, originais e mudas, apresentadas como narrações. As partes poéticas são raras e encontram-se quase exclusivamente nas profecias contra as nações. Ezequiel é minucioso nas descrições, preciso e até cansativo às vezes. O projeto da divisão da Terra Prometida, o desenho do novo templo e a indicação das leis ao mesmo atinentes, parecem mais obra de técnico do que de profeta.
Profecias nitidamente messiânicas são os trechos: 17:22-24; 34:11-16; 47:48. Mas toda a terceira parte, do c. 33.em diante, é concebida em termos de expectação messiânica.
Ezequiel é o primeiro representante dum novo gênero literário de mensagem profética, muito desenvolvido, em seguida, na literatura judaica do séc. II a.C. Trata-se do gênero apocalíptico. No Novo Testamento, ele figura no livro do Apocalipse (termo grego que significa "revelação"). O próprio S. João deu ao seu livro o nome de "profecia" (Apoc. 1:3), termo não muito apropriado ao caráter da obra. Eis as características principais do gênero apocalíptico:
- A mensagem profética limita-se à predição do futuro, especialmente à era messiânica e ao fim do mundo.
- Esse futuro, ora radiante, ora pavoroso, aparece ao vidente sob a forma de cenas simbólicas em que atuam seres humanos e sobre-humanos, animais e astros, quais outras tantas figuras dos acontecimentos vindouros.
- A intervenção freqüente de anjos, como guias e intérpretes dos cenários contemplados pelo profeta.
- Os eventos relacionados com o fim dos tempos, quer messiânicos, quer cósmicos, revestem-se dum colorido empolgante de convulsões cósmicas e telúricas, e isso, de tal maneira, que este motivo, embora acessório, é considerado comumente como propriedade prevalente do estilo apocalíptico.
A respeito de Daniel nada mais sabemos além do que nos diz este livro, pois não traz nenhuma novidade a única menção dele, feita no Antigo Testamento (1 Mac. 2:60) e a igualmente única do Novo Testamento (Mt. 24:15).
Descendente de nobre família do reino de Judá, muito jovem ainda (13:45), teria sido deportado cerca do ano 605 a.C. para Babilônia e agregado aos pajens da corte do rei Nabucodonosor, com o nome de Baltasar (1:7). Desde os primeiros atos (cf. 13:45-62) revela-se senhor daquela sabedoria que constitui o fundo de sua figura moral. Modelo e mártir da fidelidade à lei divina, foi enriquecido por Deus com um dom extraordinário de penetração nos mistérios contidos nas visões e nos sonhos proféticos que Deus envia a ele e a algumas personagens daquela época (2:17-35; 4:2; 5:13-16).
Em virtude dessas suas capacidades, fez carreira entre os soberanos babilônios, desde Nabucodonosor até Ciro, que o honraram, confiando-lhe cargos. De dois anos destes soberanos são datadas as revelações que ele teve, a última das quais (10:1) se deu no terceiro ano de Ciro. Além dessa data, nada mais sabemos dele.
Nas Bíblias hebraicas o livro de Daniel tem menor extensão do que nas cristãs, e dentre estas, as latinas têm ordem um tanto diversa daquela das gregas. Em hebraico compõe-se de 12 capítulos e de 357 versículos; nas versões gregas e latinas são inseridos (no c. 3) 67 versículos, que constituem a primeira das três partes ditas deuterocanônicas deste livro. Além disso, acrescentaram-se outras partes em dois capítulos distintos, que em grego se acham, o mais das vezes, um no início e outro no fim; nas versões latinas sempre no fim.
No livro a idéia central que predomina, é aquela do reino de Deus, isto é, do supremo domínio de Deus sobre a natureza e sobre os eventos humanos, que culmina no estabelecimento do "reino dos santos" (os adoradores do verdadeiro Deus) sobre as ruínas dos mais poderosos impérios humanos.
As observações críticas, porém, não diminuem o valor do ensinamento religioso e moral do livro. Reduz-se ele a pontos de importância capital. Jamais se lê o nome divino "Javé," mas sempre El ou Eloim (também Eloah, no singular) ou uma circunlocução "Deus do céu" (8 vezes), "o Altíssimo Deus" (5 vezes). A tendência de todas as narrações é a de exaltar o Deus de Israel, donde resulta que somente ele é que tudo pode e tudo sabe; lê nas mentes humanas e vê os acontecimentos futuros; dele é que vem todo o saber humano e em suas mãos estão os destinos dos indivíduos e dos impérios. A ele somente se deve adoração e culto, e para não transgredir sua santa lei, devemos estar prontos mesmo a morrer, se necessário.
O messianismo de Daniel é sumário, de poucos elementos, mas de relevância extraordinária. É um messianismo quase exclusivamente coletivo, isto é, visando antes a sociedade religiosa do que o seu chefe; suas características são todas de origem espiritual: cessação do pecado, triunfo da justiça, inauguração de uma eminente santidade (9:24) ; o reino anunciado será o "reino dos santos," que se poderia traduzir também por "reino de Deus," tal como foi depois anunciado na primeira pregação do Evangelho (Mc. 1:14). Particularidade de Daniel é que ele anuncia a vinda desse reino, isto é, o seu início, indicando datas e números cerca de 500 anos depois da queda de Jerusalém (9:24) ; daí o lugar de primeira ordem que ocupa este vaticínio na demonstração da doutrina cristã.
O que ele diz sobre a vida futura ou sobre a escatológica é pouco, mas este pouco assinala um progresso da revelação nessa matéria. É ele o primeiro a insinuar um despertar dos mortos no fim dos tempos, um despertar para uma nova existência que será para uns a vida eterna e para outros a eterna condenação. Entre os primeiros, os que tiverem demonstrado zelo pela santificação própria e a dos outros gozarão de esplendor especial (12:2-3).
Profetas menores
O profeta Oséias era natural do reino de Israel ou Efraim, como se costuma chamar. Profetizou sob o reinado de Jeroboão II e de seu sucessor, a partir da queda de Samaria e de todo o reino (721 a.C.).
Os três primeiros capítulos do livro de Oséias formam um conjunto todo especial. Sob a forma de drama simbólico é-nos posta diante dos olhos a infidelidade do povo de Israel para com o seu Deus, representada, figuradamente, na infidelidade duma esposa para com seu legítimo marido; anuncia-se o seu castigo, mas também o seu arrependimento, a sua reconciliação e, enfim, sua vida renovada e mais feliz (2:16-24; cf. 2:1-2; 3:5).
Nos capítulos restantes (4-14) voltam os mesmos motivos, a saber: a culpa de Israel, principalmente as práticas idolátricas, o culto do bezerro de Betel, as alianças com os poderosos pagãos, a Assíria e o Egito, a falta de confiança e de apelo ao único Deus; daí os castigos proporcionados às culpas. Nem faltam vislumbres dum retorno a Deus e dum futuro melhor. Nesta sucessão de quadros, o mais das vezes obscuros, pode-se notar certo progresso. No c. 7 os acontecimentos políticos que, entre 745 e 725 a.C. elevaram tantos reis ao trono e outros tantos derrubaram dele, aparecem como fatos já passados; no c. 13 o castigo do povo ingrato é anunciado já como sentença irrevogável de uma destruição total do reino, e no último, o 14, com cores mais ricas e suaves promete-se a salvação definitiva.
No estilo de Oséias sucedem-se, em breves sentenças, pinceladas rápidas, imagens ousadas, passagens bruscas e como por saltos. Seu vocabulário é rico, e seu estilo característico, devido, talvez, às particularidades do dialeto de sua região. Por estas mesmas razões o seu texto, maltratado pelos copistas, conservou-se num estado assaz deplorável. Desse complexo de causas origina-se a obscuridade desmesurada deste livro. Escrito no reino de Israel, foi-nos conservado e transmitido por mãos judaicas, através das quais é verossímil que tenha sofrido retoques lingüísticos e talvez também algum acréscimo, como a menção do reino de Judá nalguns contextos onde menos se esperariam (cf. 5:5; 6: 11).
Das páginas de Oséias transparece um caráter impressionante, ardente e patético a um só tempo, mas sensível sobretudo às ternuras e às fogosidades do amor. Sob este aspecto é um precursor de Jeremias. Particularmente suas são as muitas reminiscências da antiga história do povo de Israel, sobretudo do patriarca Jacó, que tornam duplamente precioso o seu livro, cuja extensão supera, em três ou quatro partes a maioria dos doze profetas menores.
O método de Oséias se destaca pela descrição das relações entre Deus e Israel propostas sob a figura do amor conjugal. Ele é o primeiro profeta que recorre a esta comparação tão fecunda e repetida pelos profetas seguintes. A bem dizer, ele insiste mais no aspecto negativo do matrimonio, nas infidelidades e nas rupturas, do que no amor propriamente dito. A descrição deste amor será reservada ao Cântico dos Cânticos. A Oséias, pelo contrário, Deus faz sentir as suas amarguras de esposo traído, ameaçando e executando os duros castigos que o caso reclama. Tudo termina com a expectativa da reconciliação dos esposos a da restauração.
O nome de Joel (hebr. Jõ'el = Javé é Deus) ocorre umas quinze vezes no Antigo Testamento. Discute-se até agora a respeito da época em que teria vivido o profeta Joel; mas pouco nos adianta examinarmos sua vida, pois chegaremos às mais desencontradas conclusões. Com maior atenção devemos, por isso, entregar-nos à leitura do próprio texto.
Distingue-se Joel pela amplitude e vivacidade das descrições, que constituem quase toda a matéria do seu livro. Ao contrário dos grandes profetas, Joel jamais especifica as faltas censuradas por ele; contenta-se com a exortação geral: "Voltai a Deus de todo o coração" (2: 12). Além disso, jamais menciona rei ou reino. Isso induziu a maior parte dos modernos a situar o profeta numa época posterior ao, exílio, à qual parecem convir melhor as condições sociais e históricas próprias de sua mensagem. Joel conhece a dispersão do povo de Israel entre as nações e descreve sumariamente os seus horrores (3:1-6). Na sua mensagem já não se dirige aos reis, mas somente aos anciãos (1:2) e aos sacerdotes (1: 13). São indícios que mostram que a organização pré-exílica acabou, e, que, portanto, o livro não é dessa época.
Importante é o "Dia de Javé" (em nossa tradução "Dia do Senhor"), na primeira parte, referência a um castigo grave, mas transitório. Na segunda parte, com cores sombrias e insistência, refere-se ao castigo definitivo dos infiéis.
Os críticos modernos consideram Amós, e com razão, como o primeiro dos profetas escritores (cf. Am. 1:1 com Os. 1:1 e Is. 1:1). O seu livro, por raros méritos de estilo e de substância, é realmente digno de abrir a inestimável literatura profética de Israel. Acrescentam valor às suas mensagens as humildes origens do profeta e sua vocação, na qual brilha tanto mais intensamente a força do seu espírito sobre-humano.
Ò profeta Amós é distinto de Amós, pai do profeta Isaías (Is. 1:1: os dois nomes são de grafia diferente no hebraico). O livro fornece-nos bastante pormenores sobre sua vida. Natural de Técua, aldeia situada a uns 8 km ao sul de Belém, tirava o seu sustento do pastoreio de rebanhos e do cultivo de sicômoros, cujos frutos constituíam o alimento da gente pobre (Am. 1:1;7:14). Corriam os tempos dos longos e prósperos reinados de Ozias, em Judá (cf. 2 Rs 15:2.5) e de Jeroboão II, em Israel (783-743 a.C.), que davam à nação poder e riqueza de que há muito tempo não gozava. Daí que a própria religião auferia vantagens, pela abundância das vítimas imoladas nos altares e pela pompa dos ritos. Mas ficaram prejudicadas a moral e a piedade sincera, os costumes pioravam, e os israelitas, deslumbrados pela prosperidade, caminhavam alegres e inconscientes para a ruína. Crescia, para infelicidade deles, o poderio assírio. Nesta altura, o humilde pastor de Técua sente-se chamado a pregar o arrependimento aos desavisados, revelando aos culpados os castigos iminentes. E ei-lo a percorrer, vaticinando, as cidades de Israel. Enfrentou corajosamente a oposição dos sacerdotes de Betel, o principal santuário do reino (Am. 7:10-17); depois, não se sabe qual tenha sido o seu fim. Uma tradição conservada pelo ignoto autor das "Vidas dos profetas" e acolhida no Martirológio Romano a 31 de março, narra que, ferido na têmpora com uma maçã, pelo filho do sacerdote Amasias, foi levado agonizante à própria aldeia, onde morreu pouco depois.
O livro de Amós nos apresenta, mais do que qualquer outro dos profetas, uma disposição clara e uma bela ordem das mensagens.
O estilo simples e não obstante cheio de dignidade, a forma escorreita, a pureza e o vigor da linguagem fazem do livro de Amós um modelo de literatura hebraica. Para torná-lo mais atraente, acrescenta-se a feliz circunstância de que o texto geralmente foi bem conservado como poucos outros.
Acima dos méritos literários, porém, estão a elevação de pensamento, a doutrina moral e religiosa. O monoteísmo ético puro atinge o auge. O Deus de Israel não é somente o único verdadeiro Deus, criador e governador de todo o Universo, mas por sua santidade essencial é também o autor e guarda zeloso de uma lei moral, cuja observância ele exige de todos os povos, e pune o delito onde quer que sua onisciência o descubra. A escolha especial e gratuita do povo de Israel não é nenhum privilégio sob este aspecto (3:2, 9:7-10). Para lhe tributar as honras á que tem direito, é necessária antes de mais nada a santidade de costumes, sem a qual nada valem os atos dum culto cerimonioso e os sacrifícios de numerosas vítimas (5:21-24). Amós condena a moleza, o luxo, a ambição (6:4-6, 8:5-7), e também com mais energia e maior freqüência, a injustiça e a crueldade para com o próximo, seja ele quem for, a opressão dos pobres.
Com o nome de Abdias, que quer dizer "Servo de Javé," temos o mais breve escrito do Antigo Testamento: consta de um só e não longo capítulo de 21 versículos.
É todo ele uma mensagem dirigida contra os edomitas ou idumeus, dos quais se recriminam:
- O orgulho e a ousada confiança que depositam na posição geográfica, defendida pelos fortes baluartes naturais de seu país (vv. 2-9).
- Sua cumplicidade e alegria feroz a quando da desgraça dos hebreus (vv. 10-15).
- O castigo até o aniquilamento, em contraste com a restauração de Israel em suas possessões e até no predomínio deste sobre a Iduméia (vv. 16-21).
Muito se tem discutido sobre a desgraça nacional de Israel a que se alude nos vv. 10:14; comparando-se esta passagem com Sl. 13:6-7; Ez. 25:12; 35:5 e Jer. 49:7-18, não resta dúvida de que se trata da queda de Jerusalém nas mãos dos caldeus em 587 a.C.
Com isso temos a época aproximada em que o autor viveu. Escreveu talvez quando os acontecimentos aos quais alude eram ainda recentes, isto é, na primeira metade do séc. VI a.C. Era, portanto, um contemporâneo de Jeremias e de Ezequiel. Não se pode, pois, identificá-lo, como fizeram outrora judeus e cristãos, com Abdias, mordomo do rei Acab, que tanto se esforçou em favor dos profetas.
Um "profeta Jonas, filho de Hamitai, nascido em Gad-Heber" (na Galiléia, cf. Jos. 19:13), é mencionado em 2 Rs. 14:25, referindo-se a uma predição verificada sob o reinado de Jeroboão II de Israel (783-743 a.C). Esse profeta deve ter vivido no início do séc VIII a.C., e trata-se, sem dúvida, do Jonas do presente livro.
Com isso não está ainda afirmado que o próprio Jonas tenha escrito o livro que traz seu nome. Diferentemente de todos os demais livros proféticos, o presente tem a singularidade de ser apenas uma narração, e seu objeto não é a transmissão de uma mensagem profética, e sim apresenta, na prática, na narração do acontecimento, uma elevada lição de doutrina religiosa. Propriamente, pertence ao gênero narrativo.
Duas coisas ressaltam nesta narração: a mesquinhez do espírito humano (nos temores e nas iras do profeta) e a infinita bondade e clemência de Deus. Não menos importante é, porém, o universalismo religioso. Temos o caso único de um profeta de Israel ser enviado a pregar a gentios, e vemos o Deus de Israel dispensar tanto cuidado a uma nação idólatra. Pressentimos já o conceito universalista do cristianismo (Rom. 3:29-30; Co1. 3:11). Largueza de espírito e de coração da segunda parte.
Outro aspecto de grande alcance na história religiosa apresenta-nos a primeira parte. No episódio de Jonas saindo vivo do ventre do peixe, depois de passar três dias ali, Jesus viu uma figura de sua ressurreição dos mortos, prova máxima da sua divindade (Mt. 12:38-40). Daí também o renome de Jonas na literatura e na arte cristã. O mesmo divino Mestre intima os ninivitas convertidos pela pregação de Jonas, a deporem contra os judeus que não acreditam na palavra dele, que é muito mais que Jonas (Mt. 12:41; Ls. 11:52). Sem dúvida não é necessário mais do que isso para compreender a importância religiosa deste livro.
Bastaria isto também para provar-lhe o caráter histórico? Notamos que a sua finalidade é dar uma lição moral quanto à largueza de espírito e à bondade de coração. Ora, um ensinamento pode ser dado também, e não em último lugar, com uma construção imaginária. O próprio divino Mestre disso nos deu o mais ilustre exemplo com as suas parábolas. Seria, portanto - pode-se perguntar - o livro de Jonas uma parábola, e não o relato de fatos realmente ocorridos? É o que pensam hoje muitos, fora da Igreja católica e também alguns de seus membros. Mas não se apresentam razões decisivas para essa afirmação. Aquilo que a obra nos conta de maravilhoso, não constitui dificuldade para quem admite, como se deve admitir, a possibilidade do milagre. O fim didático funda a possibilidade, não a necessidade de uma ficção literária. Os fatos reais têm igualmente força para instruir a mente e maior eficácia para mover a vontade. Estando assim neste ponto as conclusões, não é de prudência cristã duvidar da realidade histórica dos fatos, levada em conta pelo próprio Jesus.
Miquéias profetizou sob os mesmos monarcas que Isaías, exceto sob o primeiro, Osias, em cujo último ano de reinado e de vida Isaías foi chamado ao ministério profético. Miquéias era, portanto, contemporâneo de Isaías, florescendo entre 738 e 700 a.C., mais ou menos. A idade, a terra natal, o livro de Miquéias nos são confirmados (felicidade única para um escritor bíblico) pela citação pública dum célebre vaticínio seu, (3:12), feita apenas um século depois (608 a.C). e conservada no livro canônico de Jeremias (Jer. 26:18). Nasceu o profeta numa obscura aldeia a sudoeste da Judéia, a atual Bet-Gibrin e parece que na mesma região tenha desenvolvido o seu ministério profético (cf. 1:10-12) com feliz resultado, como se pode deduzir do que lemos em Jer 26:19. Mais do que isso não sabemos a respeito dele. O autor das Vidas dos profetas, que o dá como martirizado sob o reinado de "Jorão, filho de Acab," mostra tê-lo confundido com outro profeta homônimo, filho de Jemla; mais antigo, pelo menos de um século (1 Rs. 22:9-28), e por isso não merece fé.
O livro de Miquéias, ainda que lhe falte a bela ordem de Amós, e se aproxime antes do estilo patético de Oséias, apresenta, todavia, seções bastante nítidas.
O argumento dos vaticínios de Miquéias é, portanto, semelhante aos de Isaías, especialmente Is cc. 1-12. Os dois profetas têm até mesmo em comum um dos mais belos vaticínios messiânicos (Is 2:2-4 = Miq. 4:1-3). Em Miquéias, porém, o lado positivo da mensagem, isto é, a promessa de um futuro melhor, ocupa um lugar relativamente mais amplo. Notável é também que entre as culpas exprobradas por Miquéias aos hebreus de seu tempo, têm grande prevalência as faltas de justiça e de humanitarismo para com o próximo, os crimes contra a boa ordem social. Redunda em honra singular para o profeta e o seu livro o fato de que duas das suas mais insignes predições sejam expressamente citadas à letra, quer pelo Antigo Testamento (3:12: em Jer. 26, como já foi dito), quer pelo Novo (5:1: em Mt. 2:5-6; cf. Jo. 7:42), e que o próprio Jesus, na instrução aos seus apóstolos, expressou um ponto do seu programa (Mt. 10:35-36) com as palavras de Miquéias (7:6).
O livro do profeta Naum é a única fonte que a ele se refere. Dá-nos a conhecer tão somente a terra natal do profeta, Elcos, lugar jamais citado em outra passagem da Bíblia. Os informantes judeus de S. Jerônimo (Prefação ao seu comentário) o situam na Galiléia. Outra tradição, menos antiga, e acolhida pelo autor das Vidas dos Profetas, localizava-o na Judéia, próximo de Eleuterópolis ou Bet-Gibrin. A época de Naum deve ser posta entre a queda de Tebas, no Egito, sob as armas do assírio Assurbanipal, em 663 a.C., e a queda de Nínive, sob os golpes conjugados dos babilônios e dos persas, em 612. A primeira é recontada no seu livro (3:8-10) como acontecimento passado; a segunda constitui o objeto quase único de sua mensagem profética.
Em confronto com os demais profetas menores, o conteúdo ideal de Naum não é novo, mas a todos supera em lances líricos e na expressão. Infelizmente, o texto em muitos lugares está corrompido, deixando por vezes o sentido incerto.
Na Bíblia hebraica o nome Habacuc (Habaqquq) encontra-se somente nos títulos dos cc. 1 e 3 deste livro a ele atribuído, o qual, outra notícia expressa não nos oferece, além daquela que se refere ao nome pessoal do profeta. Resta-nos unicamente o conteúdo para deduzirmos a época em que viveu e o espírito que o animava.
O livro versa todo sobre um ponto crucial da doutrina religiosa: o problema de saber se há uma justiça que governa o mundo e por que os bons são dominanados pelos maus. O tema é desenvolvido em três seções: duas queixais em forma de diálogo e um canto final à maneira de contemplação.
A mensagem de Habacuc tem em comum com a de Jeremias, o fato de pôr em discussão o problema moral dá prosperidade dos maus (Jer. 12:1-3), e com a de Isaías o pensamento de que Deus se serve das ambições humanas, da tirania estrangeira, para castigar os pecados do seu povo, sem, porém, deixar impunes os excessos dos tiranos (10:3-19). Especial em Habacuc é o grande princípio, promulgado com insólita solenidade (2:4), de que a fonte da vida é a fé, em Deus, que São Paulo fará um dos pontos básicos da sua doutrina religiosa.
Na Bíblia grega o nome deste profeta é "Ambacum," e da mesma maneira está grafado o nome daquele "profeta na Judéia," que, agarrado pelos cabelos por um anjo, levou a refeição a Daniel na cova dos leões, em Babilônia (Dan. 14:33-39). Por razões cronológicas, quando não por outras, as duas personagens são consideradas distintas.
De oito dos dezesseis profetas escritores não conhecemos sequer o nome do pai, ao qual se restringe na maior parte a genealogia dos outros (Isaías, Jeremias, Ezequiel, Oséias, Joel. Jonas). De Zacarias, além do pai, cita-se também o avô. Sofonias, singular entre todos, prolonga a cadeia ascendente até ao trisavô, chamado Ezequias (cf. 1:1, nota). Pensou-se que este Ezequias se identificasse com o conhecido rei de Judá, filho de Acaz, que reinou de 720 a 690 a.C., mais ou menos. Visto que Sofonias profetizou durante o reinado de Josias, o terceiro sucessor e bisneto de Ezequias (ib.), a cronologia não opõe dificuldades insuperáveis a essa opinião. O silêncio, porém, quer da história, quer do próprio profeta em torno dessa sua relação com a dinastia régia, torna-a de todo improvável. Além disso, esse nome não é raro na Bíblia.
O tempo em que vaticinou Sofonias pode ser deduzido da sua mensagem. Pregando sob Josias e entre outras coisas acusando os jerosolimitanos de perversões idólatras e práticas gentilícias em religião (1:4-6), isso deve ter acontecido antes da célebre reforma religiosa de Josias, que se iniciou em 621 a.C. (cf. 2 Rs. 22:3-23:20). Diremos, portanto, que Sofonias exercitou o seu ministério profético pelo ano 625 a.C, quando surgiu também o profeta Jeremias no mesmo ministério.
Afora o que nos refere o seu breve escrito, que ocupa o décimo lugar na série canônica dos profetas menores, a respeito do profeta Ageu sabemos apenas que foi contemporâneo do profeta Zacarias, com o qual compartilhou a missão de assistir os repatriados na obra de construção do templo.
A atividade do profeta Ageu desenvolveu-se durante poucos meses, no segundo ano de Dario I (cf. Ag. 1:1; 2:11), rei da Pérsia, de 521 a 485 a.C.
Sem valor especial quanto ao estilo ou à poesia, o escrito de Ageu recebe sua eficácia e interesse da grande paixão do profeta pelo templo. Animada pela recordação do esplendor do antigo templo, contemplado talvez numa juventude muito remota, esta paixão é alimentada sobretudo pela certeza de que a reconstrução do templo é a premissa indispensável para um renascimento seguro da vida nacional. A isso acrescenta-se a visão sobrenatural daquilo que o novo templo é destinado a simbolizar e como que a preludiar: a gloriosa construção espiritual do futuro reino messiânico. Certo deste destino, o profeta encontra palavras inflamadas para sacudir o povo de seu letargo, torna-se ousado diante dos tímidos representantes oficiais da nação e arrasta todos a um grande fervor.
Do profeta Zacarias (em hebr. "Javé se recordou") fala também Esdr 5:1; 6:14. Era filho de Baraquias (Zac. 1:1-7) e neto de Ado (Zac. 1:1-7; Esdr. 5:1; 6:14), provavelmente o mesmo citado entre os sacerdotes que voltaram de Babilônia com Zorobabel, no ano 537 (cf. Ne. 12:4). Isso pareceria confirmado também pela indicação de Ne 12:16, segundo a qual um certo Zacarias era chefe da família sacerdotal de Ado, no tempo do sumo sacerdote Jesus, contemporâneo de Zorobabel (cf. Zac. 4:14; Ag. 1:1; Esdr. 3:2).
Como a Ageu, coube também a Zacarias a missão de apoiar os repatriados na obra de reconstrução do templo.
Zacarias iniciou a sua atividade profética alguns meses depois de Ageu (cf. Ag. 1:1 e Zac. 1:1-7), no mesmo segundo ano do rei persa Dario I (520 a.C.), mas a estendeu por mais tempo. Ao menos, pelo que se narra nos oito primeiros capítulos do seu livro, alcançou-se o quarto ano do reinado do mesmo soberano (cf. Zac. 7:1).
Pertence o livro por inteiro ao profeta do qual traz o nome? A maioria dos críticos estima a segunda parte como uma compilação, feita em época mais recente, de escritos de autores diversos e desconhecidos. Segundo alguns, os escritos, seriam de origem helenista (séc. IV a.C.); segundo outros, do tempo da revolta dos macabeus (175-161 a.C.) ou de ambas as épocas.
Não obstante as múltiplas diferenças de argumentos, de perspectiva, de gênero literário e de estilo entre a primeira e a segunda parte, os católicos geralmente aderem hoje também à opinião tradicional que atribui todo o livro ao profeta Zacarias.
O livro inteiro é perpassado por uma profunda espiritualidade. Ressalta nele a doutrina sobre os anjos, que velam pela sorte do reino de Deus e desempenham, cuidadosos, a missão de intermediários entre o céu e a terra. Expondo os diversos motivos sobre o Messias e o seu reino futuro, Zacarias realça o elemento interior da santidade e o da luta contínua contra o mal até o surgimento de seu último estádio, glorioso e sem fim.
O último escrito profético traz na Bíblia grega o título, mais comum entre nós, de Malaquias, que em hebraico quer dizer "Anjo [ou mensageiro] de Javé," e como nome próprio se encontra alhures no texto bíblico. A Bíblia hebraica intitula-o de Malaqui, que pode ser forma abreviada do precedente, ou significar, por si, "Anjo (mensageiro) meu."
Para determinar a época da atividade profética de Malaquias, não estamos melhor informados; devemos contentar-nos exclusivamente com os dados fornecidos pela análise interna do seu escrito. A semelhança, e às vezes a identidade, entre os abusos que Malaquias repreende e aqueles contra os quais tiveram de lutar freqüentemente Esdras e Neemias, nos levam a supor, com bastante fundamento, que também o presente profeta viveu durante o período persa, numa época mais ou menos próxima da dos dois grandes reformadores do séc. V.
Missionary Leaflet # P34
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Editor: Bishop Alexander (Mileant)(biblia_sept_5.doc, 07-28-2000)
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